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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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A CRISE ATUAL DO ORIENTE MÉDIO: O QUE PODEMOS FAZER?

Noam Chomsky

Até que ponto a crise do Oriente Médio é perigosa? Existe um enviado especial da ONU, o norueguês Roed-Larson, que há alguns dias atrás, mostrou que o bloqueio israelense das áreas palestinas está trazendo um grande sofrimento e pode detonar, rapidamente, uma guerra regional.

Ele se refere a bloqueio e não a mortes ou outras atrocidades. E ele está certo a respeito. O bloqueio é uma tática decisiva.  Há um bloqueio que é muito eficaz em razão do rumo que o processo de "paz" tomou, sob a direção dos Estados Unidos, e que resultou em centenas de enclaves palestinos isolados, alguns deles mínimos, que podem ser bloqueados e estrangulados pelas forças de ocupação israelenses. Esta é a estrutura básica do que aqui se chama processo de paz. Portanto, o bloqueio pode ser extremamente eficaz, ao mesmo tempo em que é uma tática sensata para os Estados Unidos e Israel, que estão sempre juntos. Devemos nos lembrar que tudo o que Israel faz, o faz com autorização dos Estados Unidos e sempre com seu apoio e subvenção.

O bloqueio é uma tática para encobrir as atrocidades, para que não se tornem visíveis, ou visíveis o suficiente, para que Washington ou o ocidente (que na essência significa Washington) tenham que dar qualquer tipo de resposta.

Houve muitos erros no passado e Estados Unidos e Israel certamente aprenderam com eles. Assim, em 1996, por exemplo, quando Shimon Peres iniciou um outro ataque ao Líbano, matando um grande número de pessoas e expulsando milhares de suas casas, foi considerada uma atitude correta e os Estados Unidos deram seu apoio até que Israel incorresse em um novo erro, quando bombardeou um acampamento da ONU em Qana, matando mais de cem pessoas que estavam refugiadas nele. De início, Clinton justificou a medida, mas, depois, diante da reação internacional, ele voltou atrás e Israel foi forçado a abandonar a operação e a se retirar. Este é o tipo de erro que deve ser evitado. Portanto,  aqueles que pretendem entrar para o serviço diplomático devem ter em mente que isto não pode acontecer. As atrocidades devem ser cometidas de modo suave, pois assim torna desnecessária uma resposta internacional. (gargalhada)

Há um ano atrás, a mesma coisa aconteceu, quando os Estados Unidos apoiaram um assassino no Timor Leste, que estava no governo há cerca de 25 anos. O desgoverno chegou a tal ponto que Clinton, depois de o país ser completamente destruído, foi obrigado a dizer aos generais indonésios que o jogo tinha acabado e eles rapidamente se retiraram. Portanto, isto deve ser evitado.

Neste caso particular, existe um claro esforço em manter as mortes, que é o que dá manchete, nos níveis aproximados do Kosovo antes do bombardeio da OTAN. Na verdade, é sobre o nível das mortes agora, para que a estória se desvaneça com o tempo.

É evidente que a história do Kosovo é bem diferente. Naquela época, as necessidades da propaganda eram o oposto. As mortes estavam mais ou menos sob as mesmas circunstâncias e o nível da resposta sérvia era muito semelhante à resposta israelense nos territórios ocupados. (Havia os ataques por toda a fronteira, o que equivaleria ao Hizbollah empreender ataques Galili ou qualquer coisa assim). Naquela época, as necessidades da propaganda eram diferentes e por isso a estória era descrita apaixonadamente como sendo um genocídio. Um bom sistema de propaganda pode estabelecer essas diferenças. Portanto, no Kosovo um genocídio e, neste caso, a represália era mais do que justificada.

A idéia geral, e penso que pode-se esperar que isto continue por algum tempo, é a de que as táticas fiquem limitadas ao assassinato; milhares de pessoas feridas (seriamente - muitas delas morrerão mais tarde, mas isso não pesará na consciência); fome (de acordo com a ONU, existem cerca de 600.000 pessoas que passam fome, porém, mais uma vez, este número está abaixo do nível); e toques de recolher (24 horas por dia, como em Hebron, onde o toque de recolher chega a durar semanas, enquanto  uns poucos colonos ficam flanando livremente e o resto da população, dezenas de milhares de pessoas, fica trancada. O isolamento nos inúmeros enclaves, portanto, é no sentido de que o sofrimento possa ser mantido abaixo do nível que possa provocar uma resposta do ocidente. E a suposição, bastante plausível, é que existe um limite que as pessoas aguentam, após o qual elas desistem.

Contudo, existe um problema no mundo árabe que é muito mais delicado para essas atrocidades em massa e que pode explodir, e que é aquele de que fala Roed-Larson. A governabilidade no mundo árabe é extremamente frágil, principalmente na região produtora de petróleo. Qualquer distúrbio popular pode ameaçar os frágeis governos dos clientes americanos, o que dificilmente os Estados Unidos aceitariam. Da mesma forma, seria inaceitável induzir os governantes das monarquias do petróleo a melhorarem as relações (principalmente com o Irã, que de fato já vem acontecendo), o que poderia minar toda a estrutura de dominação americana sobre as maiores reservas de energia do mundo.

Retrocedendo a 1994, Anthony Lake, Conselheiro de Segurança Nacional de Clinton, descreveu o que ele chamou de paradigma da era pós-guerra fria e do Oriente Médio. O paradigma era o que é chamado de "contenção dual", que abrange Iraque e Irã, mas, como ele assinalou, a contenção dual recai decisivamente sobre o processo de Oslo, o processo que dá origem a uma paz relativa entre Israel e os árabes. A menos que isso possa ser mantido, a contenção dual não se sustenta e toda a política americana atual de controle da região estará correndo perigo. Isto já aconteceu.

Há dois anos atrás, em dezembro de 1998, Estados Unidos e Inglaterra bombardearam o Iraque, desprezando manifesta e explicitamente a opinião mundial, inclusive o Conselho de Segurança da ONU. Lembremo-nos de que o bombardeio foi programado exatamente para o momento em que o Conselho de Segurança estava reunido em sessão extraordinária, para tratar da questão relativa   à inspeção do Iraque. Assim que a reunião começou, veio o anúncio do ataque promovido pelos Estados Unidos e Inglaterra, o que tornou a reunião sem sentido. Este, e outros acontecimentos anteriores, provocaram uma reação muito negativa no mundo árabe e, em outras partes, levaram à adoção de medidas muito claras, principalmente pela monarquia saudita no poder, e também por outros governos, rumo a uma acomodação com o Irã, e à indicação de um certo grau de aceitação da posição iraniana, de que deveria haver uma aliança estratégica na região que fosse independente das potências ocidentais (isto é, dos Estados Unidos). É claro que os Estados Unidos jamais aceitarão essa posição, o que poderá acarretar consequências perigosas.

Além do mais, os países da região, Irã e Síria em particular, estão testando mísseis que podem alcançar Israel. Estados Unidos e Israel não só trabalham com mísseis mas também com um sistema de anti-mísseis, o sistema anti-míssil Arrow. Quando os armamentos se encontram neste nível, as tensões facilmente afloram de forma rápida e imprevisível e podem levar a uma guerra com armas avançadas, que podem escapar do controle rapidamente.

Bom, até onde isso é perigoso? Reportemo-nos a um outro especialista, o general Lee Butler, aposentado recentemente. Ele foi o chefe do Comando Estratégico da mais importante agência nuclear do governo Clinton, a STRATCOM. Ele escreveu, há alguns anos atrás, que é por demais perigoso que, no caldeirão das animosidades que tem o nome de Oriente Médio, uma nação se arme ostensivamente com arsenais de armas nucleares e que estimule outras nações a fazerem o mesmo e também a desenvolverem outras armas de destruição em massa como forma de intimidar, o que não deixa de ser um combustível de resultados imprevisíveis. Tudo isto se torna muito mais perigoso quando patrocinado por uma nação que geralmente é vista no mundo como um estado patife, que é imprevisível e fora de controle, irracional e vingativo, e que insiste em se mostrar dessa forma. De fato, o Comando Estratégico do governo Clinton tem aconselhado os Estados Unidos a manterem uma "persona" nacional, conforme eles denominam, irracional e vingativa, fora de controle, a fim de que o resto do mundo se sinta ameaçado. E está. E os Estados Unidos também devem contar com armas nucleares como o centro de sua estratégia, inclusive o direito de usá-las contra estados não nucleares, até contra aqueles que assinaram um tratado de não proliferação de armas. Estas propostas transformaram-se em diretivas presidenciais, diretivas presidenciais da era Clinton, que não chamam muito a atenção por aqui, mas que é entendida no mundo que, óbvio, se sente impelido a responder, desenvolvendo também armas de destruição em massa para sua própria defesa.  Mas estas são perspectivas  reconhecidas pelo serviço de inteligência americano e por analistas mais experientes. Cerca de dois anos atrás, Samuel Huntington, um professor de Harvard, escreveu um artigo para um conceituado jornal, Foreign Affairs, no qual ele mostrava que, para a maior parte do mundo, os Estados Unidos são considerados um perigoso estado selvagem e a principal ameaça para a existência mundial. E não devemos nos surpreender se observarmos o que acontece no mundo fora da estrutura do sistema de doutrinação americano. São documentos, certas ações que formam a opinião mundial a esse respeito, e que acrescentam sérios perigos para a situação.

A história recente do Oriente Médio nos dá alguns avisos. Citarei apenas um exemplo que é muito importante no contexto atual - que é 1967, a guerra de junho de 1967, quando Israel destruiu os exércitos árabes, os exércitos dos estados árabes, principalmente o Egito, e conquistou os atuais territórios ocupados.  Essas são as causas para a situação atual. Naquela época, a União Soviética ainda era uma potência e o conflito na região tornou-se sério ao ponto de quase levar  a uma guerra nuclear, o que teria sido o fim da estória. O secretário de Defesa, Robert McNamara, mais tarde observou, em suas palavras, estaríamos fritos se tivesse guerra". No final da guerra de junho, havia um estremecimento nas comunicações, aparentemente o presidente Kosygin tinha avisado que, se os Estados Unidos quisessem a guerra, eles a teriam. Houve confrontos navais entre as frotas russas e americanas no oriente.

Houve também um outro incidente, um ataque israelense ao navio americano USS Liberty, que matou cerca de 35 marinheiros e tripulantes, e praticamente afundou o navio. O Liberty não identificou de onde vinha o ataque, pois os atacantes estavam disfarçados.  Antes de serem dominados, eles mandaram mensagens para a base naval em Nápoles, que por sua vez, não conseguiu identificar de onde vinha o ataque. Enviaram, então, aviões Phantoms, equipados com armas nucleares, mas, na verdade, não sabiam a quem iam atacar - Rússia, Egito, ou seja, qualquer um. Aparentemente, os aviões foram chamados de volta pelo Pentágono último momento. Mas, o incidente poderia ter levado a uma guerra nuclear.

Toda esta situação foi percebida como sendo extremamente perigosa. Tinha muito a ver com os planos de Israel de conquistar as Colinas do Golã, o que acabou acontecendo após o cessar-fogo. E eles não queriam que os Estados Unidos soubessem, talvez para não serem impedidos.  Não temos documentos, por isso só podemos especular e é quase certo que eles nunca virão à tona. De qualquer modo, a situação ficou muito delicada, a ponto de as grandes potências de todos os lados terem logo chamado uma reunião do Conselho de Segurança e aceitado uma resolução da ONU, a de n° 242, a famosa Resolução 242, de novembro de 1967, que estabeleceu as bases para um acordo diplomático.

Também vale a pena prestar atenção para o  que era a Resolução 242, e o que é hoje. Atualmente, ela é diferente. A informação sobre isso é pública, mas pouco conhecida e muitas vezes distorcida, portanto, apenas prestem a atenção nela. É fácil de ser checado.

A idéia básica da Resolução 242 era a paz total em troca da retirada total. Israel sairia dos territórios recém-conquistados e, em troca, os estados árabes concordariam com uma paz total. Havia uma espécie de cláusula menor, que estabelecia que a retirada poderia sofrer alguns ajustes mútuos. Assim, por exemplo, com relação a uma linha, ou uma curva, eles poderiam esticá-la. Mas, havia uma política, que era a política americana, pois se tratava de uma iniciativa dos Estados Unidos. Portanto, a paz total em troca da retirada total. Isto é importante, e é muito importante agora, que a resolução 242 foi inteiramente "discriminatória".

Uso este termo "discriminatório" num sentido meio fora dos padrões, num sentido anti-racista. Comumente ele é utilizado nesse sentido racista. Assim, os discriminadores são aqueles que negam o direito de Israel à autodeterminação. Mas, lógico, existem dois grupos que se opõem e estou usando o termo "discriminatório" em um sentido neutro, portanto, fora dos padrões, para me referir a uma negação dos direitos de ambos os grupos, inclusive a negação dos direitos palestinos. Esta terminologia nunca é utilizada nos Estados Unidos e não pode, por que se fosse, seria reconhecer que os Estados Unidos são os campeões da discriminação e não podemos dizer isso. Logo, o termo é sempre usado no sentido racista. O leitor deve compreender que estou dando um outro sentido ao termo.

A Resolução 242 foi inteiramente discriminatória. Ela não oferecia nada aos palestinos. Não havia referência a eles, a não ser pela citação de que havia um problema de refugiados, que de alguma forma tinha que ser administrado. Só isto. Além do mais, era para ter sido um acordo entre estados. Os estados firmariam tratados de paz na hipótese de uma retirada total de Israel dos territórios. Esta é a Resolução 242.

Bom, sem me alongar, para a população da região, israelenses e palestinos, é claro que a crise é extremamente grave. Pode culminar numa guerra na região que rapidamente poderá se transformar numa guerra mundial, com armas de destruição em massa, cujas consequências são inimagináveis e que pode acontecer a qualquer momento.

Em segundo lugar, o papel dos Estados Unidos é muito importante. É sempre verdade em todo o mundo, por causa do poder que eles detêm, mas é particularmente verdadeiro no Oriente Médio, que foi tido de extrema importância por 50 anos (e é anterior a isso, mas foi mais explícito nos anos 50) como elemento chave do planejamento global americano. Apenas para citar documentos de 50 anos atrás, o Oriente Médio era descrito como  a "região mais estratégica do mundo", "uma fonte fantástica de poder estratégico", "a presa econômica  mais rica do mundo", e assim por diante.

Os Estados Unidos não irão abandonar a região e a razão é muito simples. Trata-se das maiores reservas de energia do mundo e valem não só por causa do lucros decorrentes mas porque o controle dessas reservas dá uma espécie de poder de veto sobre as ações dos outros. Portanto, é uma questão central. Tem sido a preocupação primeira do planejamento estratégico e militar dos Estados Unidos por pelo menos meio século. A região do golfo, a região com as maiores reservas petrolíferas, sempre foi o alvo da maior parte das forças de intervenção americanas, com um sistema de base que se estende por boa parte do mundo, desde o Pacífico até os Açores, com consequências para todas aquelas regiões, porque são bases estratégicas para a intervenção na região do golfo, inclusive no oceano Índico.

E, agora, é uma grande questão, para a Inglaterra pelo menos, e para uma grande parte do mundo, mas não para os Estados Unidos. Os habitantes de uma ilha no oceano Índico, a Diego Garcia, que, há alguns anos atrás, foram expulsos e despachados para outra ilha, as Maurício,  e aqueles que conseguiram sobreviver, vêm lutando com as cortes inglesas para tentar ganhar o direito de retorno aos seus lares. Há alguns meses atrás, finalmente eles obtiveram esse direito em sentença da Alta Corte da Inglaterra, mas os Estados Unidos não abandonarão a ilha, onde têm uma importante base militar que é utilizada para exercícios no Oriente Médio. Há alguns dias atrás, os habitantes pediram uma indenização de cerca de US$ 6 bilhões e, claro, os Estados Unidos se recusaram a pagar. Madeleine Albright disse que se tratava de uma questão entre a Inglaterra e as ilhas Maurício. Não temos nada a ver com isto, muito embora tenhamos tomado a ilha, recusado o retorno dos habitantes e recusado a pagar as indenizações. Acho que não encontraremos muita coisa na imprensa americana, senão que é  parte do sistema de base para alvejar o Oriente Médio.

Durante anos houve uma espécie de pretexto público para tudo isso. A desculpa era que tínhamos que nos defender dos russos. Este era o pretexto para tudo e, para este em particular. No entanto, há um registro interno bastante rico, fartamente documentado, que nos conta uma história bem diferente. A história é a de que os russos eram, quando muito, um fator marginal, muitas vezes nem chegavam a ser um fator. Mas, felizmente, não há mais necessidade de se debater a questão porque foi reconhecida publicamente. Na verdade, foi reconhecida logo após à queda do Muro de Berlim, não precisando mais do pretexto. Não podemos mais apelar para a ameaça russa.

Algumas semanas após a queda do Muro de Berlim, a administração Bush enviou sua mensagem anual ao Congresso, pedindo um grande orçamento militar e era um documento muito interessante. Infelizmente, ele não foi registrado mas, obviamente, ele era muito importante - o primeiro pedido de aumento do orçamento militar após a queda do Muro de Berlim, quando não se podia mais falar em ameaça russa. Portanto, isto é revelador e nos fala sobre o que realmente está acontecendo. Conforme esperado, a ameaça russa desapareceu. Não há necessidade de um grande orçamento para o Pentágono por causa dos russos, que já não ameaçam mais, mas, ainda precisamos dele. Na verdade, acabou sendo necessário pelas mesmas razões do passado e precisávamos por razões que hoje são francamente expressas. Nós precisávamos por causa do que eles chamavam de sofisticação tecnológica dos países do Terceiro Mundo, o que é uma forma de dizer que eles vêem perigo na independência. E precisamos disto porque temos que manter o que é chamado de defesa da indústria de base, que é quem paga nossos salários, entre outras coisas. A base industrial de defesa é apenas um termo para indústria hi-tech, que deve ser custeada pelo público, o qual deve tolerar os custos e riscos do desenvolvimento. O MIT é um dos funis, que tem que ser mantido. Temos que manter a fonte dos setores dinâmicos da economia, que são substancialmente setores públicos, assim temos que manter a indústria de base de defesa. E também temos que manter as forças de intervenção que sempre tivemos, ainda alvejando o Oriente Médio, a região do Golfo. Então, acrescente-se (onde a ameaça aos nossos interesses que envolvam ação militar possível não pode ser colocada às portas do Kremlin, ao contrário de meio século, 40 anos, de mentiras), desculpem companheiros, estivemos mentindo para vocês, mas ainda precisamos deles lá por causa da sofisticação tecnológica dos poderes do Terceiro Mundo, isto é, a ameaça de que eles se tornem independentes.

Observem também que a ameaça aos nossos interesses não pôde ser imputada ao Iraque, porque, naquela época,  Sadam Hussein ainda era um bom menino. Ele só jogou bombas de gás nos curdos e torturou dissidentes e coisas assim. Mas ele era considerado obediente, logo, um amigo e aliado. Isto era no início de 1990. Mudou alguns meses mais tarde.

Portanto, não temos que debater a questão da guerra com os russos. Aceita-se agora que não foram uma ameaça tão importante, e a ameaça, na verdade, é o que está por todo o mundo, e foi até o fim da guerra fria, a ameaça do que é chamado "nacionalismo radical", ou "nacionalismo independente". Não faz muita diferença de onde ele se encontre no espectro político. Mas se for independente é um perigo e deve ser minado, porque é uma forma de ameaçar a chamada estabilidade, isto é, a subordinação do mundo aos interesses dominantes que os Estados Unidos representam.

Na verdade, as relações com Israel desenvolveram-se neste contexto. Na guerra de 1967, foi dado um passo importante, quando Israel mostrou seu poder e habilidade em lidar com os nacionalistas radicais do Terceiro Mundo que, à época, ameaçavam principalmente Nasser. Nasser estava comprometido com uma espécie de guerra por procuração com a Arábia Saudita, que é o país mais importante, pois é onde se encontra todo o petróleo, e o Iêmen. E Israel acabou com esta situação, esmagando os exércitos de Nasser e ganhando muitos pontos. As relações dos Estados Unidos com Israel tornaram-se sólidas. Mas, deve-se reconhecer que 10 anos antes, o serviço de inteligência americano tinha detectado que, o que eles chamavam de corolário lógico da oposição ao nacionalismo radical árabe, era apoiado por Israel, como uma base confiável para o poder americano na região. Isto ainda continua e muito dessa relação está baseada na forma como aquele contexto se desenvolveu. Se tivesse tempo, falaria sobre isto, mas pularei esta parte.

De qualquer forma, podemos colocar o pretexto de lado e só olhar para as razões que agora estão colocadas sobre a mesa - é a ameaça do nacionalismo independente, e no caso da região do Golfo, é particularmente importante porque é onde estão as maiores reservas de energia do mundo.

Bom, a consideração final a respeito deste tópico, é que o papel dos Estados Unidos não é o único, claro. É mais um elemento numa mistura complicada, mas é um fator decisivo e decididamente é o único fator que está sob nosso controle. Podemos influenciar diretamente. Assim, podemos lamentar as terríveis ações de outras pessoas, mas podemos fazer alguma coisa sobre nossas próprias ações. É antes uma diferença crítica, na vida pessoal e nas questões internacionais. E é esclarecedor notar como é dada tanta atenção aos crimes dos outros, os quais, muitas das vezes não   podemos fazer nada, e comparar com a pouca importância que damos aos nossos próprios crimes, os quais podemos fazer muito. Esta é uma comparação instrutiva e, se nos dermos ao trabalho de perceber isto, aprenderemos bastante sobre a cultura intelectual onde vivemos e para a qual esperam que contribuamos. Apenas por este motivo, devemos discutir principalmente o papel americano, até porque é muito pouco compreendido. Muitas vezes ele é suprimido, o que é uma outra razão para se focalizar nele.

Vamos ilustrar as coisas que estão acontecendo neste exato momento. A Intifada, o atual levante, começou em 29 de setembro, que foi o dia seguinte em que Ariel Sharon apareceu em Haram al Sharif, com vários soldados. Aquele acontecimento, por si só, foi provocativo, mas provavelmente ter-se-ia esgotado sem qualquer reação. O que aconteceu no dia seguinte, no entanto, foi diferente. O dia seguinte era uma sexta-feira, o dia das orações, e havia uma enorme presença militar, principalmente guardas de fronteira, que são uma espécie de paramilitares, aqueles que cometem atrocidades e eles estavam lá por inteiro, e, à medida em que as pessoas saíam das mesquitas, era, lógico, extremamente provocativo. Começaram a atirar algumas pedras. Eles atiraram na multidão, mataram 4 ou mais pessoas e feriram mais de uma centena. E, depois disto, foram embora. A culpa foi de Barak, não de Sharon. É fácil acusar Sharon e existem várias acusações contra ele, são 50 anos de atrocidades, mas este foi um plano de Barak.

Analisemos um aspecto do que se seguiu desde então, principalmente o uso de helicópteros. No dia 1º de outubro, logo depois daqueles acontecimentos, os helicópteros militares de Israel, isto é, helicópteros americanos pilotados por israelenses, mataram dois palestinos em Gaza. No dia 2, o dia seguinte, mataram 10 palestinos, feriram 35 em Gaza, em Netzarim, que, se observarmos bem, perceberemos que é o cenário das maiores atrocidades, inclusive a famosa foto do menino de 12 anos que foi morto. O que é Netzarim? Na verdade, Netzarim é apenas uma desculpa para dividir a Faixa de Gaza em duas partes. Existe um pequeno assentamento ao sul de Gaza, razão suficiente para se ter um posto avançado militar para proteção do assentamento e o posto militar precisa de uma estrada, uma grande estrada, que corta a Faixa de Gaza em dois, a fim de separar a cidade de Gaza, onde tem a maior concentração de população, da parte sul da faixa, e o Egito, e assegura que, em qualquer situação, Gaza será prisioneira dentro de Israel. Existem outros pontos de conflito mais ao sul, mas Netzarim é o principal e é onde grandes atrocidades estão sendo cometidas. Assim, a morte de 10 pessoas e mais 35 feridos em Netzarim, no dia 2 de outubro, pelos helicópteros israelenses é apenas mais um dos muitos incidentes.

No dia 3 de outubro, o correspondente do Ha'aretz, que é o mais importante jornal hebreu, publicou a maior compra de helicópteros da década - isto é, helicópteros militares americanos. Eram Blackhawks e Apaches. Os Apaches são os principais helicópteros de ataque.

No dia seguinte, 4 de outubro, o inglês Defence Weekly, que é o maior jornal militar do mundo, noticiou que a administração Clinton tinha aprovado uma nova venda de helicópteros de ataque, os Apaches, porque eles achavam que os que tinham sido enviados anteriormente não eram suficientes. No mesmo dia, o Boston Globe contou que helicópteros Apaches estavam atacando complexos de apartamentos com foguetes em Netzarim. As agências internacionais de notícias da época citaram que   funcionários do Pentágono teriam dito, e cito uma fonte oficial do Pentágono, "As vendas de armas pelos Estados Unidos não estipulam que as armas não possam ser usadas contra civis." Está bem, assim, a história até aqui - os helicópteros americanos estão sendo usados para atacar civis, mas eles não são suficientemente modernos e Israel não tem muito deles, portanto, a administração Clinton teve que se meter na maior venda da década. Venda significa que os contribuintes americanos pagam, indiretamente, de alguma forma.  E, então, teve o dia seguinte, mandando mais helicópteros Apache, sem determinar que eles não poderiam ser usados contra civis. Bem, chegamos ao dia 4 de outubro. E mais e mais ataques a civis, e vou pular o resto.

A primeira referência na imprensa americana, aconteceu no dia 12 de outubro. Havia um artigo no jornal Raleigh North Carolina, que dizia que esta não era uma boa idéia. Também é a última referência na imprensa americana, repito, a única referência. Não que os editores não saibam disto. Claro que sabem. Na verdade, chamou a atenção tão explicitamente de editores de jornais importantes, que é como se não soubessem. Não que não seja importante, porque lógico que é muito importante. Só que é uma espécie de notícia que não se enquadra. E isto é muito característico, não só nesta parte do mundo como em qualquer lugar. É extremamente importante que o público seja mantido na ignorância do que está sendo feito, porque se os leitores souberem não irão gostar. E se não gostarem, podem fazer alguma coisa a respeito. Portanto, é uma grande responsabilidade da mídia e dos intelectuais em geral, do sistema educacional e assim por diante, assegurar que as pessoas sejam mantidas na ignorância dessas coisas, é melhor para elas que não saibam, como isto, por exemplo. E a tarefa é cumprida com uma dedicação impressionante. E este não é um exemplo atípico.

No dia 19 de outubro, a Anistia Internacional publicou um relatório condenando os Estados Unidos por fornecerem novos helicópteros militares a Israel. Também relataram  diversas atrocidades. Este relatório da Anistia não foi publicado nos Estados Unidos.

No dia 10 de novembro, a Anistia Internacional publicou uma condenação muito mais ampla ao uso excessivo da força e do terror , que foi pouco comentada. E isto continua.

Mas, voltemos para a questão do que podemos fazer. A resposta é que temos duas escolhas. Podemos fazer muito. Assim, por exemplo, podemos continuar a fornecer helicópteros e outros armamentos militares para assegurar que Israel seja capaz de atacar civis, manter os bloqueios, matar os palestinos de fome, etc. E podemos criar um fundo que permita que Israel continue a integrar os territórios ocupados, como vem sendo feito, assentamentos, infraestrutura, etc. Não importa qual o governo que esteja no poder. Funciona com Barak, da mesma forma que funcionou com Netanyahu, e se estenderá para o próximo ano. As provisões orçamentárias já foram feitas. Portanto, podemos continuar do jeito que está, se gostarmos. Ou podemos agir no sentido de parar sua participação nessas atividades, o que é mais honesto. Não exige bombardeios ou sanções. Significa parar de participar das atrocidades, a coisa mais fácil de se fazer. Esta é a escolha. E, na verdade, podemos ir mais adiante e abandoná-los, o que se torna mais fácil quando um país tem o poder que os Estados Unidos têm. Dei alguns exemplos.

Se decidirmos pela última opção, que está sempre aberta aqui e em qualquer lugar, existe um requisito, que é sabermos o que está acontecendo. Portanto, podemos fazer aquela escolha, dizer que parem de fornecer helicópteros militares (e sabemos que os helicópteros são apenas uma parte de um quadro maior), a menos que já saibamos disso. Repito, a grave responsabilidade do mundo intelectual, da mídia, jornais, universidades, etc., é impedir que as pessoas saibam. Isto demanda esforços. Não é fácil. Como neste caso, precisa de dedicação para suprimir os fatos e assegurar que a população não saiba o que está sendo feito em seu nome, porque se souber, ela não vai gostar e certamente reagirá. E aí começa o problema.

A mesma coisa se aplica ao protocolo diplomático. Comecemos com a atual fase da diplomacia, que começou em setembro de 1993, que é o famoso processo de Oslo. Naquela época, houve um encontro no gramado da Casa Branca, em agosto, com uma manchete do Boston Globe, descrevendo-o como "um dia de espanto". Israelenses e palestinos concordaram, sob a supervisão de Clinton, com o que foi chamado de Declaração de Princípios. Na época, havia várias questões e é importante compreender como a Declaração de Princípios lidava com elas.

Uma questão era territorial - o que acontecerá com os territórios ocupados, como  serão distribuídos - esta a questão número um.

Número dois, é a questão dos direitos nacionais. Esta questão só se apresenta para os palestinos. Não há dúvida no caso de Israel, não é e nunca foi uma questão para Israel. A única questão é a respeito dos direitos dos palestinos.

A terceira questão é sobre o direito de resistir. E palestinos e libaneses, nesta ponto, têm o direito de resistir à ocupação militar. Esta é a terceira questão.

A quarta questão, que é uma espécie de contrapartida da terceira, é se o poder ocupante (Israel, o que aqui significa Estados Unidos) tem o direito de atacar territórios ocupados e o Líbano. Estas são as quatro questões principais.

Havia respostas na Declaração de Princípios. Com relação ao território, a Declaração de Princípios dizia que o assentamento permanente seria com base na Resolução 242, da ONU, que levanta esta questão. E o que significa ela? Aqui, temos que nos reportar aos primeiros registros diplomáticos. Voltarei a isto num instante.

Com relação aos direitos nacionais, também estão acordados nos termos da Resolução 242. E ninguém que estivesse prestando atenção em setembro de 1993, poderia perceber exatamente para onde isto estava indo. A Declaração de Princípios afirma que o assentamento permanente será baseado apenas na Resolução 242. Agora, passados 20 anos, a questão da diplomacia internacional foi a rejeição da 242. Lembrem-se, a 242 não diz nada sobre os palestinos. Por 20 anos houve uma série de esforços do mundo todo para complementar a 242, no sentido de incluir os direitos palestinos. Eles não são mencionados e existe o assentamento permanente. Portanto, os territórios, é a 242, o que significa que os Estados Unidos decidem (voltarei a isto), direitos nacionais - os Estados Unidos conquistaram isto e o resto do mundo capitulou. E sobre o direito de resistir?

Bem, Arafat concordou em assinar a Declaração de Princípios e desistiu do direito de resistir, e isto quer dizer que no Líbano a população também não tem o direito de resistir. Se resistirem serão chamados de terroristas. Por que Arafat assinou isto? Ele, na verdade, disse mais de uma vez. Vejam, ele fez um pronunciamento solene de efeito, mas a proposta era pura humilhação. Deve-se ter certeza de que as classes mais baixas sejam humilhadas para que elas não consigam muita coisa. George Schultz, secretário de estado, que é considerado uma espécie de arauto, colocou isto muito claramente. Ele disse que, é verdade que Arafat disse unc, unc, unc, e ele disse oh, oh, oh, mas ele não disse uncle, uncle, uncle (tio), num tom suficientemente submisso e devemos ter certeza de que o faça sempre e sempre mais. É assim que ameaçamos as camadas mais baixas. Portanto, mais uma vez, Arafat teve que dizer "uncle" em alto e bom som e submissamente, e agradecer seu Massa e assinar uma declaração dizendo, veja, mais uma vez, nós rejeitamos o direito de resistir. O mesmo no Líbano, o que não chega a ser um problema.

O que dizer da quarta questão, o direito de atacar? A contrapartida é o direito de Israel de atacar. Bem, eles conservaram este direito e Israel continua a usá-lo frequentemente, com o apoio dos Estados Unidos, antes e depois. Observem que neste período não houve um pretexto defensivo, ao contrário do que lemos no comentário americano. Isto retrocede no tempo. Mas, diferentemente da propaganda, quase que todos os ataques Estados Unidos/Israel, por certo que aos territórios ocupados, mas ao Líbano também, não tiveram qualquer intenção de defesa. Eles iniciaram. Isto inclui a invasão de 1982, e esta não é uma questão menor, isto é, não é considerado um grande negócio por aqui, mas durante os 22 anos que Israel ocupou ilegalmente o sul do Líbano, em flagrante violação às ordens do Conselho de Segurança (mas com autorização americana), eles mataram entre 45.000 e 50.000 libaneses e palestinos, o que não é um número insignificante. Isto incluiu também os muitos ataques brutais que se sucederam após os acordos de Oslo, em 1983, 1986, etc.

Casualmente, podemos querer comparar esta questão com a Sérvia e o Kosovo. A comparação, neste caso, tem que ser de um modo diferente, porque isto nunca aconteceu. Mas, a analogia correta seria imaginarmos que a Sérvia tivesse bombardeado a Albânia até ao ponto em que Israel bombardeou o Líbano. Isto não aconteceu, mas podemos imaginar qual teria sido a reação, o que só serve para mostrar nossos valores e a necessidade de se manter a disciplina sobre essas questões, a fim de que as pessoas não pensem nelas.

Bem, de forma abjeta, a OLP aceitou tudo. Israel, em troca, e a Declaração de Princípios, não se comprometeram com coisa alguma. Devemos olhar para o que aconteceu no gramado da Casa Branca, no "dia do espanto". O Primeiro ministro Rabin fez um comentário conciso, umas poucas linhas, no qual, após Arafat concordar com tudo, disse que Israel agora reconhecia a OLP como representante dos palestinos - pausa. Nada sobre os direitos nacionais. Nada. Apenas reconhecemos você como o representante dos palestinos e seu Ministro do Exterior, Shimon Peres, considerado um porta-voz, imediatamente explicou o por quê lá em Israel, em hebreu. Ele disse, bem, sim, nós podemos reconhecê-los agora porque eles capitularam, portanto, não há problema em reconhecê-los. Eles agora são uma espécie de parceiros mais jovens no controle da população palestina, que segue o modelo colonial tradicional.

Israel e Estados Unidos cometeram um erro grave nos territórios ocupados. Não é uma boa idéia tentar controlar uma população subjugada com seus próprios soldados. O caminho que se usa normalmente, é recrutá-los entre os nativos. Esta foi a forma utilizada pela Inglaterra na Índia por uns duzentos anos. A Índia era controlada principalmente pelos soldados hindus, muitas tirados de outras regiões, como os gurkhas, etc. Esta foi a forma utilizada pelos Estados Unidos na América Central, com os mercenários, chamados de exércitos. Esta foi a forma utilizada na África do Sul para controlar as áreas negras. Muitas das atrocidades foram cometidas por mercenários negros e nos Bantustões eram todos negros. Este é o padrão colonial e faz bastante sentido. Se você tiver seus soldados lá, isto provoca uma série de problemas. Vejam, primeiro de tudo eles sofrem lesões, e eles são pessoas que não se sentem bem matando pessoas, e seus pais ficam aborrecidos, etc., mas se você tiver mercenários ou paramilitares, então não há problemas. Assim, Israel e Estados Unidos se voltaram para o padrão colonial e mantêm soldados palestinos que, na verdade, são oriundos de Túnis em sua maior parte, para controlar a população local - controlar econômica, política e militarmente. Esta foi a idéia, uma volta sensata à prática colonial.

Bom, voltemos um pouco para o começo do protocolo diplomático, que ajuda a colocar tudo isto dentro de um contexto. Assim, que tal o direito de resistir? O direito de resistir à ocupação militar dos territórios e do Líbano? Isto já vem sendo discutido na comunidade internacional, embora não o saibamos por aqui. Em dezembro de 1987, que foi o auge da histeria em relação ao terrorismo internacional, vejam, a praga do mundo moderno, etc., a Assembléia Geral da ONU julgou e baixou uma resolução condenando fortemente o terrorismo, vejam, o terrorismo internacional é o pior crime que existe, e tinha uma redação correta. A resolução foi aprovada por 153 x 2, o que é bem normal. Os dois foram os de sempre, Estados Unidos e Israel. Apenas um país se absteve, Honduras, por razões desconhecidas, assim, foi essencialmente unânime, exceto por Estados Unidos e Israel. Agora, por que os Estados Unidos e Israel rejeitam, e isto significa veto, uma vez que o voto americano foi contra, uma resolução condenando o terrorismo? Bom, a razão é porque ela contém um parágrafo que diz que nada naquela resolução pode prejudicar o direito do povo de lutar contra os regimes colonialistas e racistas, e contra a ocupação militar, e contra obter apoio dos outros para a luta pela liberdade, sob essas condições. Os Estados Unidos não aceitaram, é claro. Por exemplo, ela teria dado ao Conselho Nacional Africano, da África do Sul, o direito de resistir ao regime branco, o que é inaceitável. Daria aos libaneses o direito de resistir à ocupação militar e aos ataques israelenses, o que é inaceitável. Portanto, Estados Unidos e Israel rejeitaram a resolução e, na verdade, como de costume, é o veto da história. Isto nunca foi dito aqui, jamais foi mencionado, e  poderia até não existir, a não ser que lêssemos na literatura. Está lá, quero dizer, se buscarmos nos registros empoeirados da ONU, nós a encontraremos. Mas, este é o direito de resistir, que foi bloqueado pelos Estados Unidos em 1987, e que não faz parte da história.

O que dizer sobre o direito de atacar? Bem, ele existe com fiança americana, como mencionei, durante os 22 anos de ocupação israelense do sul do Líbano. Com a autorização americana, eles mataram milhares de pessoas, talvez 40.000, 50.000, e existe uma quantidade imensa de atrocidades e um punhado de operações terroristas, por exemplo em 1985. Mas não é só lá. O direito se estende muito além. Assim, 1985 e 1986 são anos bem interessantes. Foi o auge da histeria com o terrorismo internacional, vejam, o máximo, etc. E, de fato, houve muitos atos terroristas internacionais naqueles anos. Em 1985, Israel, por exemplo, bombardeou Túnis, matando 75 pessoas, tunisianos e palestinos, sem pretexto. Os Estados Unidos publicamente apoiaram, embora Schultz, o então secretário de estado, tenha retrocedido quando o Conselho de Segurança condenou, por unanimidade, como um ato de agressão armada, isto é, um crime de guerra, com a abstenção dos Estados Unidos. Os Estados Unidos estavam diretamente envolvidos. A Sexta Frota no Mediterrâneo deu suporte para que os aviões israelenses pudessem se abastecer, com a Sexta Frota fingindo não perceber, e os Estados Unidos não avisaram a Tunísia, um aliado, que o ataque era iminente. Portanto, este é o maior ato de terrorismo fora da área local do Oriente Médio e existem muitos outros. Na verdade, o principal ato de terrorissmo naquele ano, uma espécie de terrorismo de variedades, foi um carro bomba em Beirute, que matou 80 pessoas e feriu cerca de 200, colocado pela CIA, pelo serviço de inteligência inglês e pela inteligência saudita, num esforço conjunto para matar um clérigo muçulmano que eles perderam, mas que conseguiram uma porção de outras pessoas. Era um carro bomba na saída de uma mesquita, programado para explodir quando todos estivessem saindo e assim conseguir matar o maior número de civis. Isto foi lá, mas também nada nos anais do terrorismo, nada mais do que o bombardeio de Túnis, ou, por exemplo, o ataque americano à Líbia, no ano seguinte, que é um outro ato de agressão armada, mas considerado correto.

Devo dizer que a opinião árabe no Oriente Médio, e aqui também, na minha maneira de ver, está muito enganada sobre tudo isto. Muito consistentemente, se lermos agora, como no passado, as alegações de que os Estados Unidos passam por cima do terrorismo israelense por causa da influência judaica ou do lobby judeu, ou qualquer assim. Mas isto não é verdade. Falta o fato de que um princípio muito mais geral se aplica a este caso e a muitos outros. O princípio é que os Estados Unidos têm o direito ao terrorismo e que o direito é herdado por seus clientes e não importa quem sejam eles. Isto pode ser observado facilmente em outras partes do mundo. Para ilustrar com o ocorrido em uma outra parte do mundo, na mesma época, em 1987, o Departamento de Estado admitiu o que qualquer um que tenha prestado atenção já sabia, que os soldados terroristas americanos que atacaram a Nicarágua estavam sendo comandados e treinados para atacar o que era chamado de alvos "brandos", ou seja, alvos civis indefesos, como cooperativas agrícolas e centros de saúde. E eles puderam fazer isso porque os Estados Unidos tinham o controle total do ar e a vigilância podia informar a posição das forças nicaraguenses para as forças terroristas locais, que atacavam a partir de Honduras. Isto foi admitido publicamente, mas ninguém prestou muita atenção, exceto aqueles que estavam interessados nestas coisas. Mas os grupos de direitos humanos protestaram.  Americas Watch protestou e disse que tinha sido realmente horrível.

E houve uma resposta, uma resposta interessante que deve ter sido lida, de Michael Kinsley.  Ele tinha um artigo onde ele assinalava que é perfeitamente verdade que esses ataques terroristas contra alvos indefesos, em suas palavras "causou um grande sofrimento civil mas eles podem, no entanto, ser razoáveis e legítimos e a forma como decidimos isto é fazendo "uma análise do custo benefício", isto é, e estou citando tudo, temos que medir "a quantidade de sangue e miséria que estaremos derramando" e comparar com o resultado, vejam, a democracia em nosso juízo, significando a concepção do mundo dos negócios sobre a população esmagada. E se a análise do custo benefício revelar-se boa, então é correto derramar sangue e miséria e causar um enorme sofrimento. Em resumo, agressão e terror devem encontrar um critério pragmático e nós somos aqueles que decidem se ele foi encontrado, não qualquer um, e os clientes dos Estados Unidos herdaram este direito - e não tem que ser só Israel. Pode ser qualquer um. Assim, podem ser os árabes, por exemplo. Saddam Hussein é um caso impressionante. Em 1988, Saddam Hussein ainda era um amigo leal e aliado, e cometeu os piores crimes de guerra, sufocou os curdos, etc. Os Estados Unidos acharam que estava tudo bem e continuaram a apoiá-lo. Ele recebeu equipamentos militares, assistência agrícola de que não necessitava tanto. Na verdade, o Iraque, um estado árabe, teve a permissão de fazer algo que até então, só tinha sido permitido a Israel fazer, principalmente atacar um navio americano e matar marinheiros. Foi permitido ao Iraque atacar o USS Stark, um torpedeiro, e matar 37 tripulantes com mísseis, e sequer levou um tapa na mão. Isto quer dizer você é realmente privilegiado por ter esse tipo de permissão. Até então, o único país que tinha tido esta autorização havia sido Israel, em 1967, no caso do USS Liberty. E lembrem-se, este é um estado árabe. Era importante. Mais uma vez, ninguém presta muita atenção por aqui, mas na região as pessoas notaram, principalmente o Irã. Era parte de um plano para convencer o Irã a capitular ao Iraque, de acordo com a vontade americana. Outro grande evento que convenceu o Irã de que os Estados Unidos estavam falando realmente sério, foi o caso da queda do avião de linha comercial iraniana, por um navio de guerra americano, em espaço iraniano, matou 290 pessoas e sequer foi um problema. De novo, pouca ênfase por aqui, não muito importante, mas para os iranianos foi e eles compreenderam que os Estados Unidos transporiam qualquer limite para assegurar que Saddam Hussein ganhasse para que o Irã capitulasse, o que não era pouco para a política da região. Aqui, as pessoas não querem pensar sobre isso, mas em outros lugares do mundo estão.

Portanto, penso que a coisa a ser reconhecida, ao contrário dos comentários árabes de fora e daqui, é que Washington é realmente um empregador de oportunidades iguais. Isto é, apóia muito bem uma política de não discriminação na defesa do terror e dos crimes de guerra, etc.

Bem, voltemos um pouco atrás, à Resolução 242. Lembrem-se que a Resolução 242, da ONU, o documento básico e o acordo permanente, conforme o processo atual, foi rigorosamente discriminatório, nada para os palestinos, mas foi levado a sério. Havia uma ameaça de guerra naquela época, uma guerra nuclear. Pedia uma paz total em troca de uma retirada total. Havia um impasse. Israel se recusava à retirada total e os estados árabes se recusavam à paz total. O impasse foi quebrado em 1971, quando o presidente Sadat, do Egito, que tinha acabado de assumir o poder, se ofereceu para aceitar a posição oficial americana. Então, ele disse sim, ele aceitaria a paz total com Israel em troca de uma retirada parcial, o que equivalia a uma retirada do território egípcio. Assim, se Israel se retirasse do Sinai, Sadat concordaria com a paz total. Não se falou nada sobre os palestinos, nada sobre a Cisjordânia. Israel entendeu como uma resposta à oferta de paz genuína. Rabin, em suas memórias mais tarde, chamou isto de "marco a caminho da paz".

Em Israel, isto foi entendido como se eles pudessem ter a paz, a paz geral. Na época, um dos integrantes do Partido Trabalhista, um general aposentado, Haim Bar-Lev, escreveu no jornal do Partido que estava tudo bem, com esta oferta podemos alcançar a paz completa. O conflito acaba se decidirmos que ele acabou, mas penso que devemos recusar porque se resistirmos poderemos obter mais. Isto pede que nos retiremos do Sinai e não acho que devamos fazê-lo. Portanto, devemos resistir e abandonar a paz, e foi o que Israel fez. Sua resposta foi que não se retirariam das fronteiras anteriores a junho.

Quanto aos Estados Unidos, eles estavam num dilema. Continuar com sua política oficial, a política que na verdade eles tinham iniciado, a 242 da ONU, ou deveriam abandoná-la, e isto significava ficar ao lado de Sadat-Egito contra Israel, ou deveriam abandonar sua política e se alinharem com Israel contra o Egito, o que significava rasgar a 242 da ONU. E havia um conflito interno. O Departamento de Estado era a favor de que se mantivesse a política original. Kissinger, Conselheiro de Segurança Nacional, queria o que ele chamava de impasse, ou seja, sem diplomacia, sem negociações, só a força. E no conflito interno, Kissinger ganhou. Os Estados Unidos rescindiram a 242, que não existe mais, e as pessoas devem compreender isto.

Agora, a Resolução 242, da ONU, significa o que os Estados Unidos querem que ela signifique, isto é, poder. Significa retirada, até onde os Estados Unidos e Israel determinarem, e este será o seu significado. Portanto, quando os palestinos ou os estados árabes se queixam de que Israel não está respeitando a 242, eles apenas estão escolhendo ignorar o registro histórico e a cegueira não é uma posição confortável quando se trata de questões mundiais. Podemos ter também os olhos abertos. A Resolução 242, da ONU, não existe desde fevereiro de 1971, a não ser no sentido que Kissinger deu a ela. Agora, devemos ser um pouco flexíveis, porque oficialmente os Estados Unidos continuam a endossar a 242 em seu sentido original. Assim, encontramos declarações de Jimmy Carter e Ronald Reagan, ou conhecemos discursos oficiais e George Bush dizendo sim, e insistindo que a 242 prevalece. Não encontramos declarações de Clinton. Clinton, acho, é o primeiro presidente a não dar muita bola para isso. Mas o fato é que dar importância é mera hipocrisia, porque enquanto a apóiam para uso externo, eles também abastecem Israel com recursos, fundos, apoio militar, diplomático, para violá-la, isto é, agir para incorporar os territórios ocupados ao estado de Israel, portanto o apoio à 242 é hipócrita e, com efeito, devemos cumprimentar Clinton por ter tido a honestidade de mostrar isto.

Isto nos leva a fevereiro de 1971. Os Estados Unidos também bloquearam todas as outras resoluções da ONU, exceto uma, a de número 194, de dezembro de 1948, que pedia o direito de retorno dos refugiados ou uma compensação. Isto foi tecnicamente endossado pelos Estados Unidos, porque eles votaram assim naquela ano na ONU. Mas, pura hipocrisia. Mais uma vez Clinton se superou. Ele retirou seu apoio a ela. Assim, o último voto foi unânime, com Israel e Estados Unidos se opondo e a administração Clinton declarando também todas as resoluções da ONU relacionadas com a questão, nulas ou sem efeito. Agora é só o processo de Oslo, portanto, isto é honestidade de novo.

Em 1971, Sadat tornou isto muito claro e continuou por muitos anos a mostrar que se os Estados Unidos se recusassem a aceitar um acordo negociado, ele seria forçado a declarar guerra. Ninguém o levou muito a sério. Há um grande preconceito por aqui e foi dito que os árabes não sabiam como segurar um revólver e coisas assim. Finalmente, a guerra chegou em 1973, acabou se transformando em algo muito próximo e isso assustou todo mundo. Havia uma outra confrontação nuclear próxima e Israel estava com problemas. E foi entendido que o Egito não podia ser riscado. Assim, Kissinger partiu para uma posição de retaguarda, isto é, excluir o Egito do conflito. Mas, isto implicaria num vaivém diplomático. Em 1977, veio a famosa viagem de Sadat a Jerusalém, onde ele foi aclamado como uma espécie de santo, por ser o primeiro líder árabe a querer conversar com Israel. Na verdade, em Jerusalém, se analisarmos seu discurso, foi menos reservado do que sua oferta em fevereiro de 1971. Em 1971, ele ofereceu a paz total, sem nada para os palestinos. Em sua viagem a Jerusalém ele insistiu nos direitos dos palestinos. Mas, é permitido entrar na história. Em fevereiro de 1971, não tem história, isto é, não encontramos nada na literatura acadêmica. Mas a viagem a Jerusalém está na história porque, naquela época, os Estados Unidos foram obrigados a aceitar a proposta,, enquanto que em fevereiro de 1971 ela foi rejeitada. Assim, uma tem história, a outra não. Sadat é um santo secular por causa de sua viagem em 1977 e não por causa da proposta de fevereiro de 1971.

Agora, vamos para Camp David, em 1978 e 1979, sob patrocínio de Carter, e que é considerado um grande momento do processo de paz. Israel concordou em se retirar do Sinai, como o Egito tinha proposto sete anos antes, e os Estados Unidos não tiveram outra alternativa senão concordar. O resultado, no entanto, foi entendido muito claramente em Israel. Um conhecido analista de estratégia militar, Avner Yaniv, assinalou que o acordo de Camp David elimina o único impedimento árabe e, assim, permite que Israel continue a incorporar os territórios ocupados e a atacar o norte, para atingir o Líbano, com o apoio maciço dos americanos em ambos os casos. A administração Carter rapidamente aumentou o apoio em mais da metade do total da ajuda americana externa, para assegurar que essas metas pudessem ser alcançadas.

Enquanto isto estava acontecendo, havia uma outra corrente. O consenso internacional sobre a questão tinha mudado. Em 1967, não havia nada para os palestinos, não havia direitos palestinos. Mas, no início dos anos 70, começou a haver uma mudança. Em meados dos anos 70, havia um amplo consenso internacional, pedindo direitos nacionais para os palestinos, lado a lado com Israel. Eram os russos, a Europa, a Ásia, a América Latina, praticamente todo mundo.

Em janeiro de 1976, veio um outro acontecimento muito importante, crucial para a compreensão do está acontecendo agora, mas que não tem história, porque fala de uma estória errada. Em janeiro de 1976, o Conselho de Segurança da ONU baixou uma resolução pedindo um acordo de dois estados. Incluía toda a redação da Resolução 242, assim todos os direitos de Israel e acrescentava os direitos nacionais dos palestinos nos territórios que tinham sido ocupados, dos quais Israel tinha que se retirar, de acordo com o entendimento original da 242. O que aconteceu com aquela Resolução? Ela, na verdade, trouxe a confrontação, Síria, Egito e Jordânia. Ela foi apoiada vigorosamente pela OLP, embora eles possam ter-se esquecido do fato. Na verdade, suspeito que sim. Mas, de acordo com o representante israelense na ONU, Chaim Herzog (mais tarde Presidente), a resolução foi preparada pela OLP. Não acho provável, mas é o que Israel acha, pelo menos. De todo modo, certamente foi apoiada por eles e pelo mundo todo. Talvez Khadaffi não a tenha apoiado, não me lembro, mas o mundo todo a apoiou.

E Israel e Estados Unidos tiveram que reagir. Israel reagiu da forma típica, bombardeando o Líbano. Bombardeou o Líbano, matou 50 pessoas de algumas aldeias que foram escolhidas ao acaso. Isto foi noticiado aqui, mas considerado insignificante. Foi uma retaliação contra a ONU. Os Estados Unidos reagiram de uma forma simples, isto é, vetando as resoluções do Conselho de Segurança. Mas elas desapareceram da história também. Carter fez a mesma coisa em 1980, com a mesma resolução. Mas, enquanto isso, o consenso internacional persistia.

Aqui podemos começar a entender a importância do fato de que a Declaração de Princípios de setembro de 1993 se refira à Resolução 242, da ONU, e a nada mais. Porque existe uma enorme quantidade de resoluções vetadas pelos Estados Unidos no Conselho de Segurança, mas que passaram na Assembléia Geral, pedindo os direitos nacionais dos palestinos e elas não eram parte do acordo permanente na versão americana do processo de paz. A Assembléia Geral votou, ano a ano, e os termos variam muito pouco, no geral são mais ou menos a mesma coisa, um acordo de dois estados, direitos nacionais para ambos os grupos. A votação foi 150 a 2, ou qualquer coisa assim. Ocasionalmente os Estados Unidos conseguem um voto, como no caso de El Salvador.

A última votação foi em dezembro de 1990, 144 a 2 e a data é importante. Pouco depois, algumas semanas mais tarde, os Estados Unidos e a Inglaterra bombardearam o Iraque. Saddam tinha mudado de amigo leal e aliado para a reencarnação de Hitler, não por causa dos crimes, os crimes tudo bem, mas porque ele tinha desobedecido às ordens, ou talvez não tivesse entendido muito bem as ordens e isto não é permitido, portanto, esta é uma transição padrão e, assim, temos que ficar livres da besta de Bagdá e, sabemos, onde o poder estava, e assim funcionou. Durante o bombardeio, Bush anunciou a chegada da Nova Ordem Mundial. Ele a definiu de forma muito simples. Ele falava em relação ao Oriente Médio. O resto do mundo entendeu. Todos apoiaram. A Europa desapareceu, o Terceiro Mundo estava em desordem, a Rússia tinha sumido.

Neste ponto, os Estados Unidos se voltaram para a sua posição de extremo discricionarismo. A conferência de Madri aconteceu alguns meses mais tarde e, em seguida, Oslo. Vieram, então, os sucessivos acordos e a incorporação dos territórios continuou durante o período de Oslo. Os vários acordos autorizavam isto, os fundos americanos, tudo protegido diplomaticamente, e chegamos a Camp David e ao ano 2000.

Com relação à discussão pública sobre as notáveis propostas de Barak, vejam, não há qualquer base.

Havia uma ênfase sobre Jerusalém e por bons motivos. Talvez Jerusalém seja o mais fácil de todos os problemas para resolver, e Clinton e Barak fazem bem em chamar a atenção para Jerusalém porque, assim, eles desviam a atenção do que é mais importante, isto é, o que irá acontecer com os territórios ocupados, o acordo, o desenvolvimento da infraestrutura, os enclaves, etc. Para Arafat, também faz sentido focalizar Jerusalém, porque ele precisa desesperadamente do apoio dos estados árabes e eles não dão a mínima para o que acontece com os palestinos. Suas populações sim, mas certamente não os seus líderes. Por outro lado, eles terão dificuldade de abandonar o controle sobre os locais sagrados porque se o fizerem, a população irá reagir. Portanto, focalizar nos locais sagrados é bom para Arafat, assim ele ressalta Jerusalém, descuidando do problema crucial que está acontecendo em outra parte.

Tenho alguns mapas de Israel comigo. Estas são as posições finais, vejam, o que se espera venha a ser no longo prazo. E o que parece a longo prazo, resumidamente, é o que é chamado de Jerusalém e que se estende por todo o rio Jordão e que divide a Cisjordânia em dois, com uma cidade importante, Ma'ale Adumim, no centro, e com extensão por todo o caminho. Existe uma outra interrupção no norte, em direção a Samaria, que inclui vilarejos que estão fixados lá. Israel mantém o rio Jordão. Jericó é isolada. E termina com 4 aldeias palestinas, separadas umas das outras, separadas de Jerusalém, mas há uma leve sugestão de que no longo prazo alguma conexão sem sentido entre elas será estabelecida, mas são inteiramente controladas e cercadas. O que é chamado de Jerusalém, se estende ao norte de Ramallah e ao sul de Belém. Se olharmos para o mapa, esta é a região que divide as regiões dos assentamentos   norte, centro e sul. E existe progressos maciços de infraestrutura. Há alguma coisa por trás disto.

Os Estados Unidos estão pagando por tudo isso, naturalmente. Esta é a maravilhosa proposta que foi concedida. E afora o que se diz, o que realmente conta é o que está acontecendo como pretexto. E o que está acontecendo como pretexto tem sido implementado. Finalmente, podemos levar meio dia dirigindo pela Cisjordânia sem vê-la. É um pouco mais difícil dirigir em Gaza, porque normalmente está fechada, mas, no geral, a mesma coisa acontece por lá.

E a situação é extremamente grave. Desde a ocupação de 1967 até 1993, Israel assegurou, e de novo, quando digo Israel, estou dizendo Estados Unidos, assegurou que não haveria progresso nos territórios ocupados. Assim, logo após 1993, quando jornalistas israelenses que tinham coberto os territórios finalmente estavam prontos para ir para a Jordânia, ficaram chocados com o que viram e escreveram a respeito na imprensa hebraica. A Jordânia é um país pobre e Israel é rico. Antes da guerra de 1967, as populações da Jordânia e da Palestina mais ou menos se equiparavam, na verdade havia mais progresso na Cisjordânia. Em 1993, a situação era completamente diferente. Na Jordânia, mais pobre, havia desenvolvimento agrícola, universidades, escolas, estradas, saúde pública e todo o tipo de coisas. Na Cisjordânia não havia praticamente nada. O povo sobrevivia com as remessas vindas de fora ou fazendo o serviço sujo em Israel, mas nenhum progresso era permitido, e foi muito chocante para os repórteres. Aqueles que tiverem interesse em conhecer melhor essa situação, existe um trabalho muito importante de uma pesquisadora de Harvard, Sara Roy, que passou uma temporada terrível na Faixa de Gaza. Para que se tenha uma idéia, em números atuais, em 1993, o consumo de energia elétrica em Gaza e na Cisjordânia era 2/3 do Egito, metade da Jordânia, que são países pobres. Israel é um país rico. Saneamento básico e moradia estava em 25% para os palestinos, 50% no Egito e 100% na Jordânia. O PIB e o consumo per capita declinou e piorou sensivelmente desde então. Após 1993, ficou pior. Assim, o PIB e o consumo per capital caiu, de acordo com ela em cerca de 15% na Cisjordânia e em Gaza, mesmo contando com a grande assistência que chega de fora, principalmente da Europa.

Em relação a outros quesitos piorou. Até 1993, Israel e Estados Unidos permitiam que a ajuda humanitária chegasse aos territórios. A ajuda humanitária da ONU foi permitida na Cisjordânia e em Gaza. A partir de 1993 ela foi limitada. Isto é parte do processo de paz. Depois de Oslo, foram impostas taxas pesadas e outras restrições. Agora está bloqueado. Agora a ajuda humanitária está bloqueada. A ONU está protestando, mas não importa. Se a ONU protesta contra o bloqueio da ajuda humanitária e isto não é registrado por aqui, então não importa. E não se registra porque não é relatado. Portanto, eles podem dizer, sim, os israelenses estão impedindo que a ajuda humanitária chegue e as pessoas estão morrendo de fome, etc., mas não importa, na medida em que o povo dos Estados Unidos não sabe disso. As pessoas podem saber no Oriente Médio, na Europa, mas não faz diferença. Estas são as nossas opções.

Para os Palestinos, eles sofrem repressão dos dois lados, como muitos Bantustões, a repressão de Israel e dos Estados Unidos, e a repressão dos mercenários locais, que fazem o trabalho para os estrangeiros e se enriquecem com isso. De novo um padrão, o padrão colonial. Quem quer que tenha dado uma estudada no Terceiro Mundo sabe como é.

Quanto às metas de Oslo, segundo um dos arautos de Israel, o Ministro da Segurança do governo de Barak, e Ministro do Exterior temporário, Shlomo Ben-Ami, está tudo muito bom e muito civilizado. Num trabalho acadêmico de 1998, antes de entrar para o governo, ele descreveu os objetivos de Oslo como a imposição do que ele chamou de dependência neo-colonialista permanente na Cisjordânia e em Gaza. E é muito preciso, é o que os Estados Unidos almejaram durante todo o período do processo de paz.

Quanto à população, é difícil melhorar uma descrição de Moshe Dayan, há cerca de 30 anos atrás. Ele era do Partido Trabalhista e entre os líderes trabalhistas ele foi um dos mais conhecidos por sua atitude simpática para com os palestinos, e também por seu realismo. E ele descreveu o que a política israelense deveria ser, a política americana. Ele disse que os palestinos deveriam viver como cachorros e quem quisesse que poderia partir. Veremos até onde isto leva. Política razoável e esta é a política americana também, e assim continuará enquanto permitirmos isto.

MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY
14/12/2000
Atualizado em 8/02/2001

Noam Chomsky, um conhecido linguista americano, sempre se interessou por política. Sua tendência  para o anarquismo e o socialismo foi o resultado do que ele chama de "a comunidade radical judaica de Nova York". Desde 1965, ele se transformou em um dos mais conhecidos críticos da política externa americana.

http://www.media.mit.edu/~nitin/mideast/chomsky.html

 

 


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