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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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O ESTADO OTOMANO

 

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Para se conhecer a história desse império, devemos começar com a sua figura maior, o sultão Suleyman, que construiu, a partir das conquistas de seu pai, uma grande cidade, um aparelho militar, um império e uma cultura.  Nenhuma outra cultura nos convida a associar toda a sua história e  grandeza a um único indivíduo, como a cultura otomana o faz. Este não é apenas um preconceito europeu; os próprios muçulmanos dificilmente resistem à tentação de resumir toda a cultura e história otomana a esta figura brilhante. Porque muito poucas figuras na história encerram tanto de sua cultura e muito poucas figuras míticas legaram tanto para a posteridade.  O Islam produz uma relação singular entre os indivíduos e a história. A dignidade e perfectibilidade da humanidade no Islam tende a produzir mitos como Suleiman, que parecem dominar toda a arte humana, mas o igualitarismo espiritual da religião também leva à uma humanização surpreendente dessas figuras míticas.

Em 1300 d.C, os otomanos já administravam um pequeno estado militar, na parte oeste   da Anatólia e que penetrava a Macedônia e a Bulgária,  territórios bizantinos na Europa oriental. Em 1402 d.C, os otomanos mudaram sua capital para Edirne na Europa, de onde ameaçaram Constantinopla, a capital do último grande reduto do império bizantino. A cidade parecia desafiar a grande expansão do Islam. Não importava quantos territórios tinham sido conquistados pelos muçulmanos, porque Constantinopla resistia a cada cerco ou invasão. Os otomanos, no entanto, queriam romper esse círculo vicioso. Ocupar Constantinopla representava um  símbolo do  poder otomano, ao mesmo tempo em que  os tornaria donos do comércio  entre  o ocidente  e o oriente.   Em  1453 d.C, o sultão  Mehmed, o Conquistador, finalmente tomou este último remanescente de Bizâncio e rebatizou com o nome de Istambul.   A partir daí,  a capital da Europa otomana ficaria em Istambul, e,  sob o patrocínio dos sultões otomanos,  tornou-se uma das mais ricas e cultas cidades do mundo moderno.

Iniciava-se o império otomano. Expandiu-se grandemente no governo do sultão Selim I, mas foi com seu filho, sultão Suleyman, conhecido na historiografia islâmica como  "o Legislador",  e  "o Magnífico", na européia, que o império alcançaria a sua maior expansão sobre a Ásia e a Europa.

O Estado Otomano

Os otomanos herdaram uma rica mistura  de tradições políticas de uma série de grupos étnicos diferentes: turcos, persas, mongóis, mesopotâmios e, claro, dos muçulmanos. O estado otomano, como os estados turco, mongol e mesopotâmio, apoiava-se na autoridade absoluta do monarca. A natureza da autocracia otomana, no entanto, foi muito mal compreendida e mal interpretada no ocidente, principalmente nos livros de história.

Na teoria política otomana, a função central do governante, ou sultão, era garantir a justiça em todo o território. Toda autoridade depende do compromisso pessoal do governante com a justiça. Esta idéia tem aspectos tanto turco-persas quanto islâmicos.

Na teoria política islâmica, o modelo de governante justo era Salomão, das histórias hebraicas. A justiça representada pelo legislador salomônico é uma justiça distributiva, isto é, uma justiça imparcial e equitativa, que se aproxima da noção de justiça no ocidente. Além disso, 'adale (justiça) tem coordenadas turco-persas; nesta tradição, 'adale, ou justiça, é a proteção dos desprovidos contra a voracidade dos governos predatórios e corruptos. Neste sentido, a justiça abrange a proteção dos membros das classes mais baixas da sociedade,  os camponeses, contra uma taxação injusta, ou uma magistratura corrupta e de cortes desiguais. Na teoria política otomana, esta era a tarefa primordial de um sultão. Ele, pessoalmente, protegia seu povo dos excessos do governo. E para os otomanos, o governante só podia garantir esta justiça equânime se detivesse o poder absoluto, porque se assim não fosse, significaria depender dos outros e, portanto, sujeitar-se à corrupção. A autoridade absoluta, então, estava a serviço  da construção de um governo justo e não para colocar o governante acima das leis, conforme os europeus interpretaram o sultanato.

A fim de assegurar 'adale, os otomanos estabeleceram uma série de práticas e instituições no governo central . A primeira foi o estabelecimento de uma burocracia, escolhida no círculo mais íntimo do sultão. Esta burocracia, por sua vez, controlava os governos locais; esta forma acabou servindo de modelo para o absolutismo europeu no século XVII.

As outras instituições e práticas políticas eram:

Prática do governo: a tarefa do sultão era, principalmente, manter sob vigilância todos os funcionários da administração. Frequentemente essa prática de governo implicava no envolvimento pessoal do sultão. Algumas vezes observava em segredo os procedimentos do Diwan, que era o grupo consultivo central do sultão, e algumas vezes observava os procedimentos das cortes dos ulamas.

Periodicamente, o sultão era solicitado a visitar os governos locais disfarçado, para se assegurar que os magistrados e a justiça estavam funcionando corretamente. Se o sultão achasse que uma injustiça estava sendo cometida contra a população, ele interferia diretamente e derrubava a decisão. Historiadores islâmicos sustentam que o império otomano começou a declinar porque os sultões, cada vez menos, se interessavam em manter a justiça em seus domínios. Na maior parte, no entanto, o sultão fiscalizava através de um grande sistema complexo e bem elaborado de espiões, que faziam relatórios à burocracias central. O serviço de inteligência otomano foi o melhor no mundo até o século XX.

Siyasa: Os agentes e oficiais públicos que abusavam de seu poder e os camponeses estavam submetidos à uma jurisdição especial chamada siyasa. Syasa era um conjunto de punições rigorosas impostas pelos sultões aos oficiais corruptos, não havendo qualquer possibilidade de seu retorno à corporação, e mais, as punições capitais eram impostas aos oficiais corruptos. No sistema siyasa, os crimes mais graves envolviam taxação ilegal ou trabalhos forçados no campo, permanência em suas casas sem permissão, ou aquartelamento de tropas sem permissão, exigir dos camponeses (contra a sua vontade) que fornecessem alimento para si ou para os soldados. Tais crimes quase sempre significam pena de morte.

Declaração pública de leis e taxas: A fim de impedir taxas fraudulentas e leis arbitrárias pelos funcionários públicos, as "ordens" dos sultões eram declaradas e dadas publicidade. Havia, então, uma comunicação direta do governo central com o povo.

Acessibilidade: Talvez o aspecto mais importante no governo otomano centralizado tenha sido o acesso universal à autoridade central. O acesso ao poder - com exceção da pessoa do Sultão - estava disponível para todo e qualquer cidadão do império. Qualquer membro da sociedade otomana podia se aproximar do Conselho Imperial com queixas contra funcionários públicos; estes requerimentos oficiais eram chamados de ard-i-mahdar e eram sempre tratados com muita seriedade. Se o Conselho Imperial se pronunciasse contra os funcionários, eles tinham que se sujeitar à siyasa.

Opinião pública: O erro mais frequente em relação aos governantes islâmicos em geral, e aos otomanos em particular, é supor que eles eram afastados e desinteressados do povo.  É possível que isso possa ser fisicamente verdadeiro, mas, do ponto de vista ideológico, é falso. Na verdade, no estado otomano a opinião pública era vista  como a referência  na qual a autoridade estatal se baseava. Se o povo deixasse de apoiar seus governantes isto era discutido e logo eles perdiam o poder. Por isso o sultanato incentivava a opinião pública porque reconhecia que os inimigos do sultão também incentivavam as opiniões contrárias. E o governo usava a propaganda e adotava políticas que agradassem a opinião pública. Além de processar os funcionários públicos corruptos e baixar impostos e leis, o governo otomano também incentivava a opinião pública em suas guerras de conquistas. Não era permitido que os soldados maltratassem os camponeses nem que tirassem qualquer coisa deles sem o devido consentimento, ou sem os devidos reembolsos. Todas as guerras otomanas de conquistas do século XVI foram cuidadosamente planejadas. O governo providenciava postos de abastecimento por todo o percurso das batalhas, a fim de que os exércitos pudessem se alimentar sem ter que tirar nada da população local. Os conquistadores otomanos acreditavam que nenhuma guerra seria bem sucedida sem a boa vontade das pessoas conquistadas e assim as campanhas militares foram incrivelmente solidárias com o cidadão comum. Os otomanos foram provavelmente os primeiros a monitorar a opinião pública através de votações. A "opinião do voto" era usada durante as preces das sextas-feiras. Na maior parte dos estados islâmicos, um dos aspectos da oração das sextas-feiras é rezar pelo bem-estar e pela vida do governante. Esta é uma parte opcional, e por isso, a sua inclusão, de um modo geral, significa que os membros da mesquita têm o governante em boa conta, e a sua omissão, por outro lado, frequentemente significa o oposto. Para ter uma exata avaliação dos sentimentos públicos, os otomanos prestavam muita atenção nessas preces das sextas-feiras em todo o império.

A Estrutura de Governo: Oficialmente, o sultão era o governo.  Ele detinha o poder absoluto e estava, pelo menos em tese, pessoalmente envolvido em cada decisão governamental. Na experiência otomana de governo, tudo o que representasse o estado saía das mãos do próprio sultão.

O sultão também assumia o título de Califa, o líder temporal supremo do Islam. Os otomanos reivindicavam esse título por muitas razões: as duas maiores cidades santas, Meca e Medina, eram parte do império e o primeiro objetivo do governo era a segurança dos muçulmanos de todo o mundo, principalmente a segurança durante a peregrinação à Meca. Como califa, o sultão era responsável pela ortodoxia islâmica. Quase todas as conquistas militares e anexações de outros países eram feitas para garantir a passagem de muçulmanos a Meca (justificativa para invadir territórios não muçulmanos) e derrotar as práticas e crenças muçulmanas heréticas ou heterodoxas   (justificativa para invadir ou anexar territórios muçulmanos).

Não há uma concordância entre os historiadores a respeito da forma como o sultanato passava de geração a geração entre os otomanos. No início da história do império, o sultanato claramente passava do pai para o filho mais velho; em1603, com a morte de Ahmed I (1603-1671), o sultanato passou para o irmão do sultão. Por outro lado, os otomanos, ao que parece, não tinham um sistema hereditário baseado na primogenitura  (a coroa passa para o filho mais velho) ou na antiguidade (a coroa passa para o irmão mais velho seguinte). Tanto no sistema monárquico turco como no mongol, a passagem do trono é uma questão acidental. Os povos turcos e mongóis acreditavam que a coroa deveria ir para aquele que a merecesse. Todo o indivíduo na linha hereditária, irmãos e filhos, eram igualmente habilitados à coroa. Isto significou que as sucessões foram quase sempre através de lutas entre os vários pretendentes. Os otomanos, ao que parece, adotaram um sistema semelhante. Quando um sultão morria, a coroa ia para o sucessor de maior mérito (quase sempre o filho mais velho). Selim I teve que lutar para conquistar o sultanato, mas Suleyman era o único filho de Selim e, por isso, herdou a coroa sem luta. Uma vez assumido o trono, todos os irmãos do sultão eram executados assim como seus filhos - se Selim I tivesse perdido o trono, Suleyman teria sido assassinado. Essas execuções garantiam que não haveria guerras futuras entre os pretendentes ao trono.

No século XVII, os sultões otomanos começaram a rever esta prática e apenas mandavam prender seus irmãos - o que permitiu que Ahmed I fosse sucedido por seu irmão. Historiadores ocidentais apontam essa prática como uma das causas pelas quais o sultanato fracassoou. Uma vez que a coroa recaía sobre pessoas que tinham sido aprisionadas, o estado otomoano viveu uma sucessão de sultões loucos e um aumento correspondente no poder de uma burocracia corrupta.

A qualificação básica para o sultanato era o merecimento do indíviduo para exercer o cargo. Os otomanos acreditavam que a simples sucessão mostrava que o sultão era merecedor da coroa; no entanto, o sultão podia envelhecer, tornar-se fraco ou corrupto e assim perder a condição para o exercício do cargo. Selim I chegou ao trono depondo seu pai, Bayezid II, que estava muito velho para chefiar um exército contra as ameaças externas. Quando Suleyman ficou velho, seus dois filhos, Bayezid e Mustafa, seu filho favorito, conspiraram para destroná-lo. Para enfrentar esta traição, o velho Suleyman teve que executá-los e, ao que parece, isso o deixou completamente acabrunhado.

Os otomanos seguiram a antiga tradição turca e mongol de considerar as terras do sultanato como uma propriedade da família do sultão. Assim, as terras otomanas eram divididas entre os membros da família real logo que chegavam ao poder. As terras conquistadas eram consideradas propriedade privada do sultão.

Embora o sultão fosse visto como responsável pessoalmente por todas as decisões governamentais, na verdade o governo era administrado por uma grande burocracia, que, por sua vez, era controlada por um conjunto de regras rígidas e complexas e o próprio sultão estava limitado por essas normas. No alto da burocracia estava o Diwan ("sofá"), que servia como uma espécie de gabinete para o sultão tomar as decisões. O membro mais poderoso do governo era o Grande Vizir, que inspecionava todas as funções executivas do governo.

Em meados do século XIII, os otomanos começaram a conquistar uma posição dominante dentro da Anatólia e foram cruzando o Dardanelos e aumentaram seu poder na Europa. Timur(Tamerlão) provocou uma interrupção temporária em 1402, quando, na Batalha de Ancara, ele derrotou e capturou Bayezid I, o sultão otomano. Mas, o processo de expansão logo foi retomado, marcado pela conquista de Constantinopla em 1453 e do Egito em 1517. O império otomano alcançou o seu auge sob a liderança de Suleyman I, o Magnífico (1520-1566), com o território se cruzando o norte da África e indo até os Balcãs e a Hungria.

 

 

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