Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
Com o assassinato do rei Faisal, assumiu o trono o príncipe herdeiro Khalid, que recebeu o apoio formal da família e dos líderes tribais. Fahd, o ministro do Interior, foi nomeado príncipe herdeiro, conforme esperado.
A preparação de Khalid para governar um estado moderno incluía viagens com Faisal em missões estrangeiras e a representação da Arábia Saudita na ONU. Embora tranquilo, era uma figura influente na família real. Ele era conhecido por ter levado a família a apoiar Faisal no golpe liderado por Saud em 1964. Ele imprimiu sua maneira de ser no exercício do cargo e foi muito mais do que as pessoas esperavam dele. A liderança exercida por Khalid foi completamente diferente da de Faisal.
Sua primeira questão diplomática foi a conclusão, em abril de 1975, de um acordo de demarcação referente ao oásis de Al Buraymi, na confluência das fronteiras com Abu Dabi, Omã e Arábia Saudita. As distintas reivindicações de fronteira abalaram as relações entre os três estados durante anos. A liderança de Khalid na conclusão bem sucedida das negociações, trouxe o reconhecimento como estadista entre os observadores da cena política da península.
Em abril de 1976, Khalid fez visitas diplomáticas a todos os estados do Golfo, na esperança de estreitar as relações com seus vizinhos. Essas visitas iniciais provavelmente formaram as bases da criação do Conselho de Cooperação do Golfo. Coincidindo com as visitas de Khalid aos estados vizinhos, o Irã pediu um plano de segurança coletivo dos estados do Golfo Pérsico. Esta proposta, ainda que não recusada inteiramente, foi recebida com grande frieza pelo governo saudita
Durante o reinado de Khalid, as áreas mais sensíveis nas relações diplomáticas da Arábia Saudita com os vizinhos foram a República Árabe do Iêmen (Iêmen do Norte) e a República Democrática do Povo do Iêmen (Iêmen do Sul). Apesar do estabelecimento de relações com o Iêmen do Norte, depois do término da guerra civil de 1967, e da grande ajuda saudita, as relações permaneceram tensas e marcadas por mútua desconfiança. O governo do Iêmen do Norte sentia que a Arábia Saudita queria manter o país como uma zona de proteção contra o reino do Iêmen do Sul, que era o maior recebedor de armas soviéticas.
Na reformulação do Conselho de Ministros, ao final de 1975, Khalid indicou o príncipe herdeiro, Fahd, como primeiro ministro substituto, e designou Abdallah (um outro meio irmão e comandante da Guarda Nacional Saudita) como segundo substituto. Fahd tornou-se o porta-voz do reino e o maior arquiteto da modernização saudita. Em 1976, a maior preocupação do governo saudita era a guerra civil libanesa. Embora fortemente comprometido com a posição saudita oficial de não intervenção ou interferência em assuntos estrangeiros, Fahd foi de extrema importância na formalização de uma força de paz da Liga dos Estados Árabes.
No final dos anos 70 e início dos anos 80, a atenção do reino estava voltada para a construção dos complexos industriais de Yanbu e Jubayl, num esforço para diversificar a base industrial do reino. Além disso, para expandir as instalações industriais e de petróleo, uma das maiores realizações internas de Khalid foi sua ênfase no desenvolvimento agrícola.
No campo das questões externas, as relações com os Estados Unidos continuaram sendo cordiais, embora a Arábia Saudita continuasse decepcionada com a intransigência americana em encontrar um acordo para o problema palestino. Em um encontro em janeiro de 1978, em Riad, com o presidente Jimmy Carter, o rei insistiu que a paz na região só poderia ser alcançada com a total retirada israelense dos territórios ocupados assim como com a autodeterminação e reconquista dos direitos para os palestinos.
Um outro ponto que foi discutido nesta reunião, foi a penetração soviética e a influência crescente através da venda de armas e tratados de amizade com os Iêmen do Norte e do Sul. Cinco meses após a reunião de Riad, Khalid pediu que Carter vendesse aviões militares para a Arábia Saudita para ajudar a conter a agressão comunista na região. A primeira remessa dos 60 aviões F-15 chegaram ao reino em janeiro de 1982. A venda e remessa do restante, além de outros equipamentos sofisticados de sistema de controle, foram conseqüência da insistência de Khalid para que a Arábia Saudita fosse tratada como parceira integral dos Estados Unidos em áreas de interesses comuns.
Em 1979, a unidade do reino em relação às relações com os vizinhos e aliados foi quebrada. Em março, como resultado do tratado de paz entre Egito e Israel, Khalid cortou relações com o Egito e procurou impor sanções econômicas árabes ao Egito.
Alguns observadores estrangeiros achavam, em 1979, que o tradicionalismo já não era tão forte na Arábia Saudita. Esta opinião mostrou-se descabida quando, novembro, 500 dissidentes invadiram e ocuparam a Grande Mesquita de Meca. O líder dos dissidentes, Juhaiman ibn Muhammad ibn Saif al Utaiba, era um sunita de uma das mais tradicionais famílias do Najd. Seu avô tinha sido um seguidor de Abdul Aziz, nas primeiras décadas do século, e outros dissidentes eram originários da Ikhwan. Juhaiman alegou que Al Saud tinha perdido sua legitimidade por causa da corrupção, ostentação e imitação desmedida do ocidente - praticamente uma repetição da acusação de seu avô contra Abdul Aziz, em 1921. As acusações de Juhaiman contra a monarquia saudita em muito se assemelhavam aos ataques de Khomeini contra o xá.
A liderança saudita ficou aturdida e de início paralisada com a ocupação da mesquita. A Grande Mesquita circunda a Caaba, símbolo da unicidade de Deus e que os muçulmanos acreditam ter sido construída pelo Profeta Abraão. O pátio é um dos locais onde o hajj (peregrinação) é realizado. Por causa da santidade do lugar, os não muçulmanos não podem entrar em Meca. Além do mais, todos os locais sagrados têm algumas injunções especiais no Islam. É proibido derramar sangue ou sujar ou poluir esses locais de qualquer forma. Apesar do planejamento cuidadoso de Juhaiman, um guarda foi baleado por um dos dissidentes, o que significou uma violação maior da lei islâmica, merecendo crucificação para o infrator condenado.
O partido de Juhaiman incluía mulheres e homens, além de árabes da península e alguns egípcios. Alguns dissidentes eram graduados desempregados do seminário do reino em Medina. As tentativas iniciais do governo de derrotar os dissidentes foram impedidas. Antes que qualquer medida militar pudesse ser autorizada, os ulamas tinham que permitir o uso de armas em local sagrado. Quando os problemas religiosos foram resolvidos com o anúncio de uma norma, foi a vez dos problemas logísticos complicarem os esforços do exército e da guarda nacional por vários dias. Finalmente, duas semanas mais tarde, o exército conseguiu desalojar os dissidentes. Todos os homens sobreviventes foram finalmente decapitados nas praças de quatro cidades sauditas.
Longe de se aterem só aos esforços de dominarem os rebeldes, os líderes fizerem uma autocrítica de suas políticas. Khalid, principalmente, era sensível às suas queixas. Muitos dos dissidentes tinham vindo de duas das tribos que tradicionalmente integravam a guarda nacional. Khalid tinha vivido muito tempo com essa gente no deserto.
Um outro pesadelo para o regime foram os tumultos xiitas em Al Qatif, a leste da província duas semanas depois do cerco da Grande Mesquita. Muitos dos manifestantes traziam cartazes com o retrato de Khomeini. Embora esses não fossem os primeiros protestos xiitas no reino (outros tinham ocorrido em 1970 e 1978), as manifestações de dezembro foram estimuladas pelo retorno triunfante de Khomeini ao Irã, no início de 1979. Mais de 20.000 soldados da Guarda Nacional foram mandados imediatamente para a região e muitos manifestantes foram mortos e centenas presos.
A liderança saudita, abalada pela ocupação da mesquita e pelos distúrbios xiitas, anunciou, após aqueles acontecimentos, que logo seria formada uma assembléia consultiva (majlis ash shura). Os distúrbios na província estimularam o governo a olhar mais de perto as condições daquela região. Embora estivesse claro que os xiitas encontravam inspiração em Khomeini, também era óbvio que a repressão e a prisão eram soluções provisórias e só serviam para promover resistências mais adiante. Além do mais, os xiitas viviam em uma região do reino mais vulnerável a sabotagens, por causa dos vários oleodutos e gasodutos que cruzavam a região. A Aramco tinha uma preponderância de empregados xiitas - não só por causa da localização da Aramco mas também porque o emprego na Aramco oferecia as melhores chances de mobilidade para um xiita.
Comparadas com outras cidades da região, as cidades xiítas de Al Qatif e Al Hufuf eram as mais carentes. Faltavam escolas decentes, hospitais, estradas e rede de esgoto e o fornecimento de energia e água era precário. Em fevereiro de 1980 aconteceram violentas demonstrações xiitas que, embora fossem duramente reprimidas como as anteriores, o ministro do Interior, Amir Ahmad ibn Abd al Aziz, foi obrigado a elaborar um plano abrangente para melhorar o padrão de vida nas regiões xiitas. Suas recomendações, que foram logo aceitas e implementadas, incluíam um projeto de eletrificação, drenagem de áreas pantanosas, construção de escolas e de um hospital, iluminação de ruas e empréstimos para a construção de casas próprias.
No início de novembro, um mês antes de ashura - o mais importante mês religioso xiita, pois é o que comemora a morte de Hussein - o governo anunciou um novo projeto de US$240 milhões para Al Qatif. Um pouco antes de ashura, Fahd ordenou a libertação de 100 xiitas presos nos distúrbios de novembro de 1979 e fevereiro de 1980. Cinco dias antes do ashura, Khalid viajou pela região - a primeira vez que um monarca saudita fazia isto. A cooptação, de que se serviu a liderança saudita para atrair o povo em geral, também parecia o paliativo para o problema xiíta.
Depois dos acontecimentos de 1979 e 1980, a liderança saudita começou a exercer um papel mais efetivo na liderança mundial. A Arábia Saudita obteve o acordo para ser o local do encontro da Conferência da Organização Islâmica, em janeiro de 1981. Abrigar uma conferência de 38 chefes de estados muçulmanos foi visto como um veículo para renovar a imagem saudita como o "guardião dos Locais Sagrados". Também o reino queria ser uma alternativa ao radicalismo islâmico de Muamar al Qadafi, da Líbia , e de Khomeini, do Irã, que tanto tinham atormentado a Arábia Saudita nos dois últimos anos.
Um pouco antes da Conferência, a liderança saudita anunciou a formação do projeto GCC (Conselho de Cooperação do Golfo) que contava com o apoio de Khalid. O GCC incluía os seis estados da península que tinham instituições políticas, condições sociais e recursos econômicos semelhantes: Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. O objetivo do GCC, conforme formalmente anunciado em sua primeira reunião, em maio de 1981, era coordenar e unir as políticas econômica, industrial e de defesa.
No final dos anos 70, a Arábia também enfrentava problemas regionais. Além do legado da questão palestina, no início do reinado de Khalid aconteceu a guerra civil libanesa. Em dezembro de 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão e em setembro de 1980, o Iraque atacou o Irã por causa da questão do canal de Shatt al Arab. Nesta última guerra, a Arábia Saudita temia que a guerra pudesse se espalhar por todo o golfo. Além do mais, era uma oportunidade única para que os dois países fossem excluídos da formação de uma aliança. Os dois Iêmens, que não tinha aceitado sua exclusão do GCC, continuavam a ser uma dor de cabeça para os sauditas. A União Soviética parecia que aumentava sua influência sobre os dois Iêmens.
Em dezembro de 1981, um mês após a segunda cúpula do GCC , em Riad, xiítas treinados no Irã tentaram um golpe de estado no Bahrain. Os insurgentes, muitos dos quais foram capturados, incluíam xiítas do Kwait e da Arábia Saudita. Rapidamente tratou-se de criar um caminho que ligasse o Bahrain ao território saudita. Os sauditas acreditavam que no caso de uma emergência que o Bahrain não pudesse conter, a guarda nacional saudita poderia usar o caminho para levar seu apoio.
Uma outra questão regional que irritou os sauditas foi a assinatura, pelos sírios, do Tratado de Amizade e Cooperação com a União Soviética. Os sauditas, no entanto, permaneceram conciliadores, na esperança de manter uma fachada de unidade árabe e também para que pudessem agir como mediadores. Em dezembro de 1980, quando soldados jordanianos e sírios se misturaram em confronto, Amir Abdallah foi mandado para lá, a fim de impedir uma crise. Abdallah, cuja mãe era de uma tribo síria e que mantinha relações pessoais excelentes, foi bem sucedido na empreitada.
Fahd foi especialmente ativo no avanço dos objetivos da política externa saudita. Ele evitou uma escalada nas tensões entre a Argélia e Marrocos, em maio de 1981. Ele foi importante ao divisar uma alternativa para os Acordos de Camp David, que tinham isolado o Egito, praticamente o único estado da região que os sauditas poderiam depender. No entanto, antes que pudesse haver uma reaproximação, foi necessária uma resolução que salvasse o acordo do Egito com Israel, para preservar a legitimidade da Arábia Saudita como um mediador árabe.
Em agosto de 1981, antes da partida de Sadat para os Estados Unidos para discutir a retomada do processo de paz, Fahd apresentou seu próprio plano de paz para resolver o conflito árabo-israelense. O Plano Fahd, como ficou conhecido, ressaltava a necessidade de um acordo abrangente que incluía a criação de um estado palestino e o reconhecimento árabe do direito a existência de Israel, em troca da retirada israelense da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Embora o plano contasse com o apoio da OLP, Líbia e Síria o rejeitaram.
Com a deterioração da saúde de Khalid, Fahd tornou-se o principal porta-voz do regime saudita. Quando Khalid morreu em junho de 1982, após uma breve doença, Fahd assumiu imediatamente o poder e Abdallah , chefe da Guarda Nacional, tornou-se o príncipe herdeiro.
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