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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.

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MOHAMMAD, O PROFETA DE DEUS

UMA BREVE BIOGRAFIA


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Nos anais da história da humanidade, em todas as épocas e lugares, jamais faltou pessoas que tenham devotado suas vidas às reformas sociais e religiosas de seus povos. Na Índia, viveram   aqueles que transmitiram ao mundo os Vedas e  também lá  viveu Sidarta  Gautama. Na China, houve Confúcio. A Babilônia deu ao mundo um dos maiores  reformadores,  o Profeta Abraão   (sem falar em  seus ancestrais como Enoch e Noé, sobre os quais temos poucas informações).  O povo  judeu pode, muito justamente, se orgulhar de uma longa série de reformadores: Moisés, Samuel, Davi, Salomão e Jesus, entre  outros.

Dois aspectos devem ser  observados. Em  primeiro   lugar, esses  reformadores,  de um modo geral, reivindicaram ser os portadores de uma missão divina  e legaram  livros sagrados que incorporavam códigos de  vida para orientação de  seus povos. Em segundo   lugar, em decorrência de guerras fratricidas, massacres e genocídios, houve, mais ou menos, uma completa perda dessas mensagens divinas.  Quanto aos livros de Abraão, deles apenas  conhecemos o nome e quanto aos de Moisés, registros nos dão conta de que foram repetidamente destruídos e apenas parcialmente restaurados.

Conceito de Deus

O homem sempre teve consciência da existência de um Ser  Supremo, o Mestre e Criador de tudo. Os métodos e abordagens podem ter diferido, mas os povos de cada época deixaram provas de suas tentativas de submissão a Deus. A comunicação entre o Deus  Onipresente, ainda que invisível,  em conexão com uma fração pequena de  homens de espíritos nobres e exaltados, também foi reconhecida como possível. Fosse essa comunicação sob a forma de uma encarnação da Divindade, ou simplesmente a recepção das mensagens divinas  (através de inspiração ou revelação), o objetivo em cada caso era a orientação das pessoas. Era natural que as interpretações e explicações de certos sistemas devessem se mostrar mais vitais e convincentes do que outros.

Cada sistema do pensamento metafísico se desenvolve com sua própria terminologia. No curso do tempo, os termos adquirem um significado não compreendido na palavra e, assim, as traduções não conseguem transmitir o verdadeiro sentido da mensagem. No entanto, não há outro método para fazer pessoas de um grupo compreender os pensamentos de outro grupo. Leitores não muçulmanos, em particular, devem ter em mente este aspecto que é uma desvantagem real, ainda que inevitável.

Ao final do século VI d.C, os homens já haviam alcançado grande progresso em diversos setores da vida. Naquela época, havia algumas religiões que abertamente se proclamavam destinadas a  apenas alguns grupos e raças de homens e claro que elas não traziam em si qualquer remédio para os males da humanidade. Havia também umas poucas que reivindicavam a universalidade, mas declaravam que a salvação do homem está na renúncia a este mundo. Eram as religiões da elite e abrangiam um pequeno número de pessoas.

Arábia

Uma leitura cuidadosa do mapa do hemisfério como um todo (do ponto de vista da proporção terra/ mar), mostra a península arábica na confluência de três grandes continentes: asiático, africano e europeu. Na época de que tratamos, esse extenso subcontinente arábico, composto em sua maior parte de áreas desérticas, era habitado por povos instalados em acampamentos, da mesma forma que os povos nômades. Muitas vezes, membros de uma mesma tribo se dividiam em outros grupos e, muito embora mantivessem uma relação, seguiam diferentes modos de vida. Os meios de subsistência na Arábia eram escassos. O deserto tinha suas desvantagens e o comércio das caravanas era mais importante do que a agricultura ou a indústria. Isso exigia muitas viagens e os homens tinham que ir além da península, para a Síria, Egito, Abissínia, Iraque, India e outras terras.

Na Arábia Central, estava localizado o Iêmen, muito justamente conhecida como Arábia Felix. Na época do profeta, o Iêmen estava dividido em inúmeros principados e ocupado em parte por invasores estrangeiros. Os sassânidas da Pérsia, que tinham penetrado o Iêmen, já tinham obtido a posse da Arábia Oriental. Havia um caos sócio-político na capital (Madain), com reflexos em todos os seus territórios. A Arábia do Norte havia sucumbido às influências bizantinas e  enfrentava  seus próprios problemas. Somente a Arábia Central permanecia  imune aos efeitos desmoralizantes da ocupação estrangeira.

Nesta  área limitada da Arábia  Central, a existência do triângulo Meca-Ta'if-Medina parecia alguma coisa providencial. Meca, desértica, privada de água e de outros encantos dos aspectos físicos, representava a África e o ardente deserto  do Saara. A umas poucas milhas dali, Ta'if apresentava um quadro da Europa e suas geadas. Medina, ao norte, não era menos fértil do que a maior parte dos países asiáticos como a Síria, por exemplo. Se o clima tem alguma influência sobre o caráter do ser humano, este triângulo, mais do que qualquer outra região da terra, era uma reprodução miniaturizada do mundo todo.

E nesse lugar nasceu Mohammad, o Profeta do Islam.

Religião

Do ponto de vista da religião, a Arábia era idólatra e apenas uns poucos indivíduos haviam abraçado uma religião. O povo de Meca tinha noção de um Deus único, mas acreditava também que os ídolos tinham poder para interceder junto a Ele.   Curiosamente, não acreditavam na ressurreição e na vida após a morte. Eles tinham preservado o ritual da peregrinação à Casa de Deus, a Caaba,  uma instituição construída sob inspiração divina por seu ancestral Abraão. Os 2 000 anos que os separavam de Abraão haviam transformado a peregrinação em um espetáculo de feira comercial e uma oportunidade de idolatria sem sentido, que longe de produzir qualquer bem, somente servia para degradar seu comportamento, tanto social como espiritual.

Sociedade

Apesar da pobreza em recursos naturais, Meca era o mais desenvolvido dos três pontos do triângulo. Meca era uma cidade-estado, governada por um conselho de dez chefes hereditários, que usufruíam uma clara divisão de poder. Os chefes de caravanas gozavam de boa reputação e tinha permissão para visitar os impérios vizinhos para efetuar negócios. Embora não muito interessados na preservação das idéias e no registro escrito, eles cultivavam as artes e as letras, como, por exemplo, a poesia, a oratória e as lendas.

O Nascimento do Profeta

Estas eram as condições e o ambiente em que Mohammad nasceu, em 569 d.C. Seu pai, 'Abdullah havia morrido algumas semanas antes de seu nascimento e foi seu avô quem cuidou dele. De acordo com os costumes, ele foi confiado à uma mãe-de-leite beduína, com quem passou muitos anos no deserto. Aos seis anos ele perde sua mãe, quando voltava de uma viagem de Medina. Aos oito anos, esse seu avô morre e seu tio, Abu Talib, passa a cuidar dele. Apesar de ser um homem generoso por natureza, Abu Talib era muito pobre e mal conseguia sustentar sua família.

Assim, Mohammad teve que começar a trabalhar cedo para ganhar seu sustento. Trabalhou como pastor para alguns vizinhos. Aos dez anos, acompanhou seu tio numa caravana à Síria.

Aos vinte e cinco anos, era conhecido na cidade pela integridade de sua disposição e honestidade de seu caráter. Uma viúva rica, Khadija, contratou seus serviços para vender suas mercadorias na Síria. Fascinada com o lucro incomum que ela havia obtido e também encantada pelo caráter de Mohammad, ela lhe propôs casamento. Há relatos de sua presença na feira de Hubashah (Iêmen), e, pelo menos, uma vez no Bahrain, conforme mencionado por Ibn Hanbal.

Início da Consciência Religiosa

Quando o Mensageiro de Allah estava com 35 anos, os coraixitas começaram a reconstruir a Caaba. Era um prédio baixo  de  pedras brancas, medindo cerca de 6,30 m de altura. Também não tinha teto, o  que dava fácil acesso de ladrões aos seus tesouros. Por outro lado, o desgaste do tempo havia enfraquecido e rachado suas paredes. Algum tempo antes, tinha havido uma grande enchente em Meca, que quase demoliu a Caaba.  Os coraixitas foram obrigados a reconstruir para proteger sua santidade e posição. Decidiu-se usar na construção somente dinheiro lícito,   assim todo o recurso proveniente da  prostituição, da usura ou de práticas   ilegais está excluído. As paredes foram demolidas até ser encontrada a base feita por Abraão. Quando começaram  a levantar as novas paredes,  o trabalho foi dividido entre as tribos. Cada uma foi responsável pela reconstrução de uma parte. As pedras foram colecionadas e o trabalho começou em completa harmonia,  até a hora de se colocar a Pedra Negra no lugar adequado. Os desentendimentos começaram entre os líderes e durou  por 4 ou  5 dias, cada um deles reivindicando a honra de colocar a pedra em sua posição. Felizmente,  o  mais  velho d entre os chefes, fez uma    proposta que foi aceita pelos outros.   Ele disse:   "Aquele que  entrar no templo em primeiro  lugar decidirá o local correto. E Mohammad foi  o primeiro  a entrar na mesquita. Ao   vê-lo,  todos  clamaram  a  uma só  voz:  "Al Ameen (o confiável)  chegou.  Ficaremos felizes em  cumprir o que ele decidir." E  Mohammad aceitou o  encargo e usou de um expediente para conciliar a todos. Ele pediu um manto, que foi esticado sobre  o chão,  e   a pedra  foi  colocada no centro. Em   seguida,   ele pediu aos representantes dos diversos clãs para que todos juntos levantassem o manto com a pedra. Quando chegou no  local apropriado, Mohammad a colocou em um dos ângulos do prédio e todos ficaram satisfeitos.   E, dessa maneira, uma situação tensa foi facilmente resolvida com sabedoria pelo Profeta

A partir desse momento, Mohammad   se torna mais e mais absorto em meditações espirituais. Da mesma forma que seu avô, ele costumava se retirar durante todo o mês de Ramadã na caverna de Hira. Lá, ele orava, meditava e dividia suas magras provisões com os viajantes que passavam por ali.

Revelação

Ele estava com quarenta anos e há cinco anos vinha fazendo seus retiros anuais, quando  uma noite, ao final do mês do  Ramadã, um anjo veio visitá-lo e anunciou que Deus o havia escolhido como Seu mensageiro para toda a humanidade. O anjo lhe ensinou o modo das abluções, a forma de adoração a    Deus e a conduta nas orações. E lhe comunicou a seguinte mensagem divina:

"Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. Lê,   em  nome do teu Senhor Que criou; Criou o homem de algo que se agarra.   Lê, que o teu Senhor é Generosíssimo, Que ensinou através do cálamo,   Ensinou ao homem o que este  não sabia." (Alcorão 96:1-5)

Transtornado com o ocorrido, ele voltou para casa e contou à esposa o que havia acontecido, temendo que pudesse ser alguma coisa diabólica ou a ação de espíritos malévolos. Ela o consolou, dizendo que ele sempre fora um homem generoso, caridoso, ajudava os pobres, órfãos, as viúvas e necessitados e garantiu-lhe que Deus o   protegeria de todo o mal contra ele.

Então, veio uma pausa nas revelações, que durou mais de três anos. O Profeta deve ter sentido de início um choque, depois uma calma, um desejo ardente e após um período de espera, uma crescente impaciência ou nostalgia. A notícia da primeira visão havia se espalhado e com a interrupção das mensagens, os céticos da cidade começaram a escarnecer dele. Chegaram a ponto de dizer que Deus o havia abandonado.

Durante os três anos de espera, o Profeta se dedicou mais e mais às preces e  práticas espirituais. As revelações, então, recomeçaram e Deus lhe assegurou que Ele não o tinha abandonado em absoluto, pelo contrário, era Ele Quem o tinha guiado no caminho correto: portanto, ele deveria cuidar dos órfãos e destituídos e proclamar a generosidade de Deus sobre ele (Alcorão 93:3-11). Esta era, na verdade, uma ordem para iniciar a pregação. Uma outra revelação o orientou a advertir as pessoas contra as práticas erradas, a exortá-los para a adorar somente ao Deus Único e a abandonar tudo o que pudesse desagradar a Deus (Alcorão 74:2-7). Contudo, uma outra revelação ordenou que ele advertisse seus próprios parentes mais próximos (Alcorão 26:214) e: "Proclama, pois, o que te tem sido ordenado e afasta-te dos idólatras. Porque somos-te Suficiente contra os escarnecedores." (Alcorão 15:94-5). De acordo com Ibn Ishaq, a primeira revelação chegou ao Profeta durante seu sono, evidentemente para reduzir o choque. Mais tarde, as revelações chegavam em estado de total consciência.

A Missão

O Profeta começou a pregar sua missão secretamente, primeiro entre os amigos mais íntimos e depois entre os membros de sua própria tribo e, mais tarde, publicamente na cidade e vizinhanças. Ele insistia na crença de Um Deus Transcendente, na Ressurreição e no Dia do Julgamento. Ele convidou os homens a praticarem a caridade e a benemerência. Ele cuidou para preservar, através da escrita, as revelações que ele recebia e orientou seus adeptos a decorarem os versículos. E assim foi durante toda a sua vida, tendo em vista que o Alcorão não foi revelado de uma só vez.

O número de adeptos foi aumentando gradualmente, mas, com a denúncia de paganismo, a oposição também cresceu por parte daqueles que estavam firmemente presos às crenças dos ancestrais. Esta oposição acabou se transformando em tortura física do Profeta e daqueles que haviam abraçado a religião. Eles eram estirados sobre a areia escaldante, queimados com ferro incandescente e amarrados com correntes nos pés. Alguns deles morreram sob os efeitos da tortura mas ninguém renunciava à religião. Em desespero, o Profeta Mohammad aconselhou seus companheiros a abandonarem a cidade e se refugiarem fora, na Abissínia, "onde reina um governante justo, em cujos domínios ninguém é oprimido" (Ibn Hisham). Dezenas de muçulmanos aceitaram seu conselho e migraram para a Abissínia. Essas fugas secretas levaram a mais perseguição aos que permaneceram em Meca.

O Profeta Mohammad foi orientado a chamar essa religião de "Islam", isto é, submissão à vontade de Deus. Suas características distintas são:

1. Um equilíbrio harmonioso entre o temporal e o espiritual (o corpo e a alma), permitindo uma satisfação completa de todo o bem que Deus criou (Alcorão 7:32), determinando, ao mesmo tempo, responsabilidades para com Deus, tais como a adoração, o jejum, a caridade, etc. O Islam veio para ser a religião das massas e não simplesmente de um eleito.

2. A universalidade do chamado - todos os crentes são irmãos e iguais, sem distinção de classe ou raça ou nacionalidade. A única superioridade que se reconhece é a pessoal, baseada no temor maior a Deus (Alcorão 49:13)

Boicote Social

Quando um grande número de muçulmanos migraram de Meca para a Abissínia, os líderes pagãos enviaram um ultimato à tribo do Profeta, exigindo que ele fosse excomungado, proscrito e enviado a eles para ser condenado à morte. Todos os membros da tribo, muçulmanos e não muçulmanos, rejeitaram o pedido (conforme Ibn Hisham). Por causa disso, a cidade decidiu impor um boicote total à tribo. Ninguém podia falar com eles ou ter relações comerciais e/ou matrimoniais com eles. O grupo das tribos árabes, chamado Ahabish, que morava nas vizinhanças aderiu ao boicote, provocando completa miséria entre as vítimas inocentes, entre crianças, mulheres, idosos, doentes e fracos. Alguns deles não resistiram e morreram mas ninguém entregava o Profeta a seus perseguidores. Um tio do Profeta, Abu Lahab, abandonou a tribo e participou do boicote se juntando aos pagãos. Após três terríveis anos, durante os quais as vítimas eram obrigadas a devorar até couro esmagado, quatro ou cinco não muçulmanos, mais humanos do que o resto e pertencentes a diferentes clãs, proclamaram publicamente sua condenação ao boicote injusto. Ao mesmo tempo, o documento promulgando o pacto do boicote que tinha sido firmado no templo foi encontrado, conforme Mohammad tinha predito, comido pelas formigas que pouparam somente as palavras Deus e Mohammad. O boicote foi levantado, contudo, devido às privações, a esposa, Khadijah, e Abu Talib, o chefe da tribo e tio do Profeta, morreram logo em seguida. Um outro tio do Profeta, Abu Lahab, que era um inimigo declarado do Islam, assumiu a liderança da tribo (conforme Ibn Hisham)

A Ascenção

Foi por esse época que o Profeta fez o mi'raj (ascenção). Ele teve uma visão em que era recebido no céu por Deus e testemunhava todas as maravilhas das regiões celestiais. Ao voltar, ele trazia para a sua comunidade um presente divino, o ritual da prece  (salat), que se constitui em uma espécie de comunhão entre Deus e o homem. O termo cristão "comunhão" significa participação na divindade. Por achar isso pretensioso, os muçulmanos usam o termo "ascensão" a Deus e acolhimento em Sua presença, Deus permanecendo Deus e o homem permanecendo homem.

A notícia desse encontro celestial levou a um aumento nas hostilidades dos pagãos de Meca e o Profeta foi obrigado a deixar sua cidade natal e procurar asilo em outro lugar. Ele procurou seu tio materno em Ta´if mas voltou porque as pessoas perversas daquela cidade o afugentaram de lá, atirando pedras e ferindo-o.

Migração para Medina

A peregrinação anual à Caaba trouxe a Meca pessoas de todos os lugares da Arábia. O Profeta Mohammad tentou convencer uma tribo após outra a dar-lhe abrigo e permitir-lhe cumprir sua missão de reforma. Cerca de 15 tribos se recusaram   mas ele não se desistiu. Finalmente, encontrou meia dúzia de habitantes de Medina que, sendo próximos aos judeus e cristãos, tinham uma noção dos profetas e das mensagens divinas. Eles sabiam também que "o povo do livro" estava esperando a chegada de um profeta - o último confortador. Assim, aqueles homens não perderam a oportunidade e prometeram conseguir mais adeptos e a ajuda necessária em Medina. No ano seguinte, mais doze apresentaram seu compromisso de obediência ao Profeta e pediram que lhes mandasse um professor missionário. O trabalho  do  missionário  (mus'ab) se   mostrou frutífero  e  acabou por  levar  um contingente de 73 novos convertidos a Meca, por ocasião da peregrinação. Eles convidaram o Profeta e seus companheiros em Meca a migrarem para Medina e prometeram abrigar o Profeta e a tratá-lo e a seus companheiros como seus parentes. Secretamente, e em pequenos grupos, a maior parte dos muçulmanos migraram para Medina. Os pagãos de Meca confiscaram os bens dos migrantes e planejaram uma conspiração para assassinar o Profeta. Agora era impossível para ele permanecer na cidade. Vale ressaltar que, apesar dessa hostilidade dos pagãos para com o Profeta, eles tinham uma confiança ilimitada na sua probidade, tanto que alguns costumavam guardar suas economias com ele. O Profeta confiou aqueles depósitos a Ali, seu primo, com a orientação de devolvê-los a seus legítimos donos. Ele, então, deixou a cidade secretamente na companhia de sua fiel amigo Abu Bakr. Após alguns incidentes, eles conseguiram alcançar Medina a salvo. Isto aconteceu no ano de 622, que ficou conhecido como o ano da Hégira, início do calendário muçulmano.

Reorganização da comunidade

Para uma melhor adaptação dos imigrantes, o Profeta criou laços de fraternidade entre eles e os moradores da cidade. Cada imigrante ganhou uma família e esses irmãos trabalhavam juntos para ganharem o sustento e se ajudavam mutuamente.

Além disso, ele achava que o desenvolvimento do homem como um todo seria melhor alcançado se religião e política fossem partes de um todo. Para esse fim ele convidou os representantes dos muçulmanos assim como dos não muçulmanos habitantes da região. Árabes, judeus, cristãos e outros, e sugeriu o estabelecimento da Cidade-estado em Medina. Dotou a cidade de uma constituição escrita - a primeira dessa espécie no mundo - na qual direitos e deveres foram definidos tanto para cidadãos como para os chefes de estado, e a habitual justiça privilegiada foi abolida. A administração da justiça tornou-se a preocupação da organização central da comunidade de cidadãos.  O documento estabelecia princípios de defesa e de política estrangeira. Reconhecia que o Profeta teria a palavra final em todas as questões divergentes e que não havia limites em seu poder de legislar. Reconhecia, também, a liberdade de religião, principalmente para os judeus, a quem o ato constitucional garantia igualdade com muçulmanos em todos os aspectos da vida.

Mohammad viajou muitas vezes com vistas a ganhar adeptos nas tribos vizinhas e assinar com elas tratados de aliança e mútua ajuda. Com a ajuda dessas tribos, ele decidiu fazer pressão econômica aos pagãos de Meca que tinham confiscado os bens dos muçulmanos migrantes e também haviam causado prejuízos enormes. Começaram as obstruções das caravanas a caminho de Meca, com desvio para a região de Medina. Os habitantes de Meca se irritaram, resultando uma luta sangrenta.

Ainda que houvesse a preocupação com os interesses materiais da comunidade, os aspectos espirituais jamais foram negligenciados. Um ano já havia se passado desde a Hégira e a mais rigorosa disciplina espiritual havia sido imposta a todo muçulmano adulto, homem ou mulher.

Luta contra a intolerância e a descrença

Não contentes com a expulsão de seus compatriotas muçulmanos, os cidadãos de Meca enviaram um ultimato aos de Medina, exigindo a rendição ou, pelo menos, a expulsão de Mohammad e de seus companheiros. Alguns meses mais tarde, no ano 2 da Hégira, eles mandaram um exército poderoso contra o Profeta, que os enfrentou em Badr; e os pagãos, três vezes mais numerosos do que os muçulmanos, foram derrotados. Um ano depois, eles voltaram e invadiram Medina para vingar a derrota de Badr. Após um confronto sangrento em Uhud, o inimigo se retirou, mas a questão permanecia pendente. Os mercenários do exército de Meca não queriam se arriscar ou se expor ao perigo.

Nesse meio tempo, os judeus de Medina começaram a fomentar a discórdia. Por ocasião da vitória de Badr, um de seus líderes, Ka'b ibn al-Ashraf,  foi até Meca dar seu apoio aos pagãos e incitá-los à revanche. Após a batalha de Uhud, a tribo desse mesmo líder planejou matar o Profeta e não conseguiu. Como punição, a única exigência do Profeta foi que aquela tribo abandonasse a região de Medina, levando com eles todos os seus bens e o que não puderam levar, venderam e quitaram seus débitos com os muçulmanos. Apesar  desse gesto de clemência, os exilados contataram os habitantes de Medina e as tribos do norte, sul e leste e mobilizaram ajuda militar, com o fim de invadirem Medina. Partiram de Khaibar com forças quatro vezes mais numerosas do que aquelas empregadas em Uhud. Os muçulmanos se prepararam para o sítio, cavaram um fosso para se defenderem. Ainda que a deserção em Medina permanecesse, foi com uma diplomacia sagaz que o Profeta  conseguiu quebrar a tal aliança e os diferentes grupos se retiraram um após o outro.

Foi nessa época que as bebidas alcoólicas e o jogo foram proibidos aos muçulmanos.

A reconciliação

O Profeta tentou mais uma vez se reconciliar com Meca e foi até lá. A barreira imposta às caravanas que vinham do norte havia arruinado sua economia. O Profeta prometeu a eles trânsito seguro, extradição de seus fugitivos e o cumprimento de todas as condições que eles desejassem. Assim, foi assinado o acordo de Hudaibiyah, nos subúrbios de Meca, que previa a manutenção da paz e a observância de neutralidade nos conflitos com terceiros.

Aproveitando os momentos de paz, o Profeta iniciou um programa intenso de propagação de sua religião. Ele enviou mensagens aos reinos de Bizâncio, Irã, Abissínia e a outros territórios. O sacerdote bizantino abraçou o Islam mas, por causa disso, foi linchado pelos cristãos. O prefeito de Ma'an (Palestina) teve o mesmo destino e foi decapitado e crucificado por ordem do imperador. Um embaixador muçulmano foi assassinado na Síria-Palestina e, ao invés de punir o culpado, o Imperador Heráclio mandou suas tropas protegê-lo contra a expedição enviada pelo Profeta (batalha de Mu'tah).

Os habitantes de Meca, esperando se aproveitarem das dificuldades dos muçulmanos, violaram os termos do tratado assinado com o Profeta. Então, chefiando um exército de muçulmanos ele surpreendeu Meca que foi ocupada sem violência ou derramamento de sangue. Como um conquistador benevolente, ele reuniu o povo vencido, lembrou-lhes as más ações, a perseguição religiosa, o confisco injusto dos bens dos que migraram para Medina, as invasões incessantes e as hostilidades sem sentido por vinte anos consecutivos. E, então, lhes perguntou: "Agora, o que vocês esperam de mim?"  Quando todos baixaram a cabeça com vergonha, o Profeta declarou: "Que Deus os perdoe, vão em paz, vocês estão livres!" Ele sequer reivindicou a posse das propriedades dos muçulmanos, confiscadas pelos pagãos. Esta atitude produziu uma grande mudança psicológica no ânimo de todos. Quando o chefe de Meca, após ouvir essa anistia geral, se dirigiu ao Profeta para declarar a aceitação do Islam, ele lhe disse: "E, por meu lado, indico você como governador de Meca!"  Sem deixar um único soldado na cidade conquistada, ele se retirou para Medina.

Logo após a ocupação de Meca, a cidade de Ta'if se mobilizou para lutar contra o Profeta. O inimigo estava disperso no vale de Hunain, mas os muçulmanos preferiram levantar um cerco próximo  Ta'if e usar de meios pacíficos para quebrar a resistência daquela região. Menos de um ano mais tarde, uma delegação de Ta'if chegou a Medina, oferecendo a submissão. Mas, queria a isenção das preces, das taxas e serviço militar, e a liberdade para o adultério, a fornicação e a bebida alcoólica. Queriam, ainda, a conservação do templo dedicado ao ídolo al-Lat em Ta'if. Mas, o Islam não era um movimento materialista imoral e logo a delegação se sentiu envergonhada de suas exigências em relação às preces, ao adultério e ao vinho. O Profeta cedeu na isenção do pagamento de taxas e na prestação do serviço militar e acrescentou: "Vocês não precisam demolir o templo com suas próprias mãos; enviarei daqui quem faça esse serviço e se houver qualquer consequência, por causa de suas superstições, serão eles quem sofrerão." Este gesto do Profeta mostra quais as concessões que podem ser feitas aos novos convertidos. A conversão de Ta'if era tão sincera que em pouco tempo eles próprios renunciaram às concessões contratadas e o Profeta indicou um coletor de impostos para a localidade.

Em todas essas "guerras" que se estenderam por um período de mais de 10 anos, os não muçulmanos perderam nos campos de batalha cerca de 250 pessoas e as perdas muçulmanas foram menores. E com essas poucas incisões a península arábica foi curada da anarquia e da imoralidade. Durante esses 10 anos de lutas, os povos da península e das regiões sul do Iraque e da Palestina aceitaram voluntariamente o Islam. Alguns grupos de cristãos, judeus e persas permaneceram vinculados a seus credos e lhes foi garantida a liberdade de consciência assim como autonomia jurídica e jurisdicional.

No ano 10 da Hégira, quando o Profeta fez a peregrinação (hajj) a Meca, ele encontrou 140.000 muçulmanos lá, vindos de diferentes partes da Arábia, cumprindo sua obrigação religiosa. Dirigiu a eles  o seu famoso sermão, no qual fez um resumo de seus ensinamentos: "Crença em um só Deus, sem imagens ou símbolos, igualdade entre todos os crentes, sem distinção de raça ou classe, a superioridade do ser humano baseia-se unicamente na piedade, santidade de vida, propriedade e honra, abolição do juro, das vinganças e da justiça privilegiada, melhor tratamento para as mulheres, obrigatoriedade da herança e distribuição dos bens do falecido entre os parentes próximos de ambos os sexos e eliminação da possibilidade de acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos."

O Alcorão e a conduta do Profeta servem como bases do direito e de um critério saudável em todos os aspectos da vida.

Quando ele voltou a Medina,   caiu doente e poucas semanas mais tarde morreu com a plena convicção de que tinha desempenhado a tarefa para a qual  havia sido escolhido por Deus - pregar para o mundo a mensagem divina.

Ele legou para a posteridade, uma religião de puro monoteísmo, criou um estado disciplinado e trouxe a paz ao invés da guerra de todos contra todos, estabeleceu um equilíbrio harmonioso entre o espiritual e o temporal, entre a mesquita e a cidade, deixou um novo sistema de leis, que provê uma justiça imparcial, pela qual até os chefes de estado devem se submeter e na qual a tolerância religiosa é tão grande que os habitantes não muçulmanos dos países muçulmanos usufruíam igualmente de completa autonomia cultural, jurídica e jurisdicional. Na questão dos ganhos do estado, o Alcorão fixou os princípios do orçamento e distribuição das rendas. Acima de tudo, o Profeta Mohammad foi um exemplo e praticou tudo o que ele ensinou a todos.

 

Baseado em   "Introdução ao Islam", de Muhammad Hamidullah

 

 

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