Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
INTRODUÇÃO
Ibn Khaldoun, nos Prolegômenos (Muqaddima), tenta explicar a ascensão e queda das dinastias, de uma forma que serviu de base para dar credibilidade às narrativas históricas. Espectador privilegiado de seu tempo, conviveu com os governantes mais importantes da época. Percebeu como são frágeis as alianças de interesses que as dinastias fazem para manter o poder. Assistiu ao fim do domínio mongol e ascensão dos turcos otomanos. Seu encontro com Tamerlão (Timur) provou a ele como a ascensão de um novo poder pode afetar a vida das cidades e das populações.
Ele acreditava que as primeiras formas de organização social constituíram-se de povos que viviam nas estepes e montanhas, dedicados à agricultura e à pecuária, seguindo líderes que não tinham um poder organizado de coerção. Esses povos assim organizados, não conseguiram criar governos estáveis, cidades ou uma cultura mais sofisticada. Para que isso fosse possível, era necessário ter um governante com autoridade exclusiva e que fosse capaz de criar e dominar um grupo de seguidores que possuísse um espírito voltado para a obtenção e manutenção do poder. Era necessário que esse grupo fosse ligado por laços comuns de ancestralidade e tradições, e com a aceitação de uma religião. Um governante que tivesse um grupo coerente de seguidores poderia fundar uma dinastia. Uma vez firmado em seu governo, poderia dedicar-se a construir cidades, desenvolver a cultura, estimular as artes, enfim, criar condições de vida em padrões mais elevados. Cada dinastia, no entanto, trazia em si as sementes de seu declínio: começava a enfraquecer-se pela tirania, pela perda de autoridade, pela falta de vontade política dos herdeiros dos fundadores das dinastias. O poder efetivo passava do governante para os membros de seu próprio grupo, mas, cedo ou tarde, a dinastia seria substituída por outra, que se formaria da mesma maneira. Quando isso acontecia, desapareciam o governante, o modo de vida que ele tinha criado e o grupo se dispersava ou era absorvido pela cultura dos novos governantes.
Ibn Khaldoun constatou que "quando há uma mudança geral de condições, é como se toda a criação tivesse mudado e o mundo inteiro se tivesse alterado." Os gregos e os persas, os maiores impérios da época, foram substituídos pelos árabes, cuja força e coesão criou uma dinastia, cujo poder estendeu-se da Arábia até a Espanha, mas, que por sua vez, foi substituído pelos bérberes, na Espanha e Magrebe, e pelos turcos no Oriente. Em suas viagens ele pode perceber como a ascensão de uma nova dinastia pode afetar a vida das cidades e da população.
Quando damos uma rápida espiada na cronologia das história do Islam, podemos observar que a sua história é uma história de contrastes entre os seus postulados e a sua prática. Do ponto de vista político, é uma história de ascensão e queda de diversas dinastias, que seguem, mais ou menos, as etapas de que fala Ibn Khaldoun. Nos primeiros séculos de esplendor, não obstante o surgimento dos califados rivais do Egito e da Espanha, predominou uma unidade social e cultural que transcendeu às divisões de tempo e espaço. A língua árabe tornou-se o meio de transmissão de uma cultura que incorporava elementos das tradições dos povos absorvidos pelo mundo muçulmano e que se expressave na literatura e nos sistemas legal, teológico e espiritual. As relações estabelecidas entre os países do Mediterrâneo e da Ásia, criaram um sistema de comércio singular e deu origem a mudanças na agricultura e na produção, sendo a base para o crescimento das grandes cidades, com uma civilização urbana que expressava sua cultura num estilo caracterizadamente islâmico.
A partir do século XII, os muçulmanos começaram a enfrentar seus maiores desafios, com consequências sérias para a integridade de seus domínios. Da Ásia Central, vieram os mongóis, que chegaram até Bagdá, a capital do império muçulmano naquela época. Da Europa, vieram os cruzados, que imbuídos de uma guerra santa contra os muçulmanos, conquistaram as costas sírias até chegarem a Jerusalém. A partir do século XV, com a desintegração do império abássida e a chegada dos turcos otomanos, com a queda de Granada, na Espanha, os domínios islâmicos ficaram restritos aos limites do Império Otomano. Houve uma mudança nas relações entre o império e os estados europeus. Ainda que os domínios islâmicos tivessem alcançado várias partes do mundo, nos primeiros séculos, na última parte do século XVIII, a ascensão da Europa como força dominante, vai desempenhar papel importante nos destinos do Islam, a ponto de muitos pensarem, nos séculos XVIII e XIX, que a religião havia esgotado todas as suas possibilidades e que o único caminho para o progresso seria seguir o exemplo das nações européias dominantes. No século XX, a transformação da Turquia em um estado laico determina o fim do Império Otomano.
É, portanto, com surpresa, que a segunda metade do século XX assiste a um ressurgimento do Islam, sob a forma de um processo crescente de conversões no mundo todo, acompanhado de uma conscientização cada vez maior por parte dos muçulmanos dos erros e acertos praticados em nome do Islam, no decorrer de sua história. Até em países tradicionalmente tidos como islâmicos, há como que uma revisão de padrões comportamentais, que no decorrer do tempo distorceram a verdadeira essência do Islam.
Agora, no limiar do terceiro milênio há como que um renascimento do Islam como perspectiva de vida e como uma proposta de solução para os problemas que assolam a humanidade. Os muçulmanos hoje contam-se em torno de 1/4 da população mundial. Brancos e negros, ricos e pobres, homens e mulheres, cultos e analfabetos, sem distinção de qualquer espécie, engrossam as fileiras dessa religião que também é um código de vida e que, aplicado na íntegra, habilita o ser humano a ser feliz nesta e na outra vida. Mais impressionante ainda é observarmos o seu crescimento, principalmente no Ocidente, e os números não negam. Contraditoriamente, junto com o progresso da tecnologia, que leva o homem ao espaço, e que deveria traduzir-se em bem-estar e mais justiça social para a humanidade, o mundo convive com o subdesenvolvimento, a fome, a miséria, fatos estes que não nos habilitam a afirmar que o nosso mundo seja civilizado. Não há civilização onde predomina a barbárie.
O Islam surgiu nos desertos da Arábia, em meio a tribos de tradições arraigadas, e promoveu uma verdadeira revolução na região, rejeitando a fé cega na tradição e nos costumes ancestrais, introduzindo novos padrões de ética e moralidade, criando uma religião simples e de fácil compreensão, ensinando que todos os seres humanos são iguais perante Deus, que o Islam não é monopólio de uma raça ou a religião de um povo eleito, que a fé é fruto da razão, que só a fé não basta, pois esta deve ser secundada dos atos que a dignificam. Aos que imaginam que o Islam é retrógrado, conservador, que se tornou obsoleto, não o compreendem e não percebem que seus preceitos são universais, e independem de tempo ou lugar para ser aplicado e vivido. O Islam acabou com todas as formas de usura, prostituição, drogas, álcool, jogos, monopólios, subjugação, escravidão, etc. O Islam significa a libertação de toda a espécie de tirania, que priva o homem da sua dignidade.
A banalização da vida no mundo ocidental faz com que já não mais nos horrorizemos com o número de mortes e danos causados pelo álcool, com os estragos provocados pela intolerância, seja racial, social, política ou religiosa, com a violência praticada contra mulheres e crianças, com o consumo desenfreado de drogas, que faz a fortuna do traficante e a ruína física e moral do drogado, com a permissividade dos costumes, levando a uma erotização do ser humano desde a mais tenra idade.
O Islam representa moderação e equilíbrio, a sua influência abrange todos os campos da vida social, moral e religiosa, e se estende aos domínios do político, econômico, legal, cultural e educacional. A seguir, daremos, em linhas gerais, alguns preceitos islâmicos básicos, mostrando como eles podem tornar uma sociedade mais fraterna, mais justa e solidária.
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