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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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PERÍODO OTOMANO (1534-1918)

 

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Do século XVI ao século XX, o curso da história iraquiana foi afetado pelos contínuos conflitos entre os safávidas, do Irã, e os turcos otomanos. Os safávidas, que foram os primeiros a declarar o xiísmo a religião oficial do Irã, pretendiam controlar o Iraque por causa dos lugares sagrados em An Najaf e Kerbala e porque Bagdá, sede do antigo império abássida, tinha um grande valor simbólico. Os otomanos, temendo que o xiísmo se espalhasse pela Anatólia, procuraram manter o Iraque como um estado sunita. Em 1509, os safávidas, liderados por Ismail Shah (1502-1524), conquistaram o Iraque, iniciando uma série de batalhas prolongadas com os otomanos. Em 1514, o sultão Selim, o Severo, atacou as forças de Ismail e em 1535 os otomanos, liderados por Suleyman, o Magnífico (1520-1566), conquistaram Bagdá dos safávidas. Os safávidas reconquistaram Bagdá em 1623, sob a liderança do xá Abbas (1587-1629), mas foram expulsos em 1638, depois de várias manobras militares inteligentes do sultão otomano Murad IV.

O maior impacto do conflito entre otomanos e safávidas sobre a história iraquiana foi o aprofundamento das desavenças entre xiítas e sunitas. Otomanos e safávidas usavam os sunitas e xiitas respectivamente para mobilizar apoio interno. Assim, a população sunita iraquiana sofreu bastante durante o breve reinado safávida (1623-1638), enquanto os xiitas iraquianos foram totalmente excluídos do poder durante o longo período da supremacia otomana (1638-1916). Durante o período otomano, os sunitas ganharam experiência administrativa que lhes permitiu monopolizar o poder político no século XX. Eles foram hábeis em se aproveitar das oportunidades econômicas e educacionais enquanto os xiitas, marginalizados do processo político, permaneceram politicamente impotente e economicamente deprimidos. As desavenças entre xiitas e sunitas continuaram como um importante elemento da estrutura social iraquiana até os anos 1980.

Embora os membros do Partido Baath, do governo, ideologicamente estejam comprometidos com o secularismo, cerca de 95% dos iraquianos são muçulmanos e o Islam é a religião de estado oficialmente reconhecida. O Islam chegou na região com a vitória dos exércitos muçulmanos liderados pelo Califa Omar sobre os sassânidas, em 637, na batalha de al Qadisiyah. A maioria dos habitantes logo se tornou muçulmana, inclusive os curdos, embora comunidades pequenas de cristãos e judeus tenham permanecido na área até os dias atuais. O Iraque foi cenário de vários acontecimentos importantes do início da história do Islam, inclusive o cisma sobre o direito de sucessão do Profeta Mohammad.

No século XVII, os constantes conflitos com os safávidas minou a força do Império Otomano e enfraqueceu o controle sobre suas províncias. No Iraque, a autoridade tribal mais uma vez dominava; a história do Iraque do século XIX é uma crônica de migrações tribais e conflitos. A população nômade cresceu com o influxo dos beduínos do Najd, na península arábica. Os ataques de beduínos em áreas ocupadas ficaram impossíveis de ser contidos. No interior, a grande confederação tribal Muntafiq tomou forma sob a liderança da família sunita Saadun, de Meca. No deserto sul, o Shammar, uma das maiores confederações tribais da península arábica, entrou no deserto sírio e se chocou com a confederação Anayzah. No Baixo Tigre, próximo a Al Amarah, uma nova confederação tribal, a Bani lam, se estabeleceu. No norte, surgiu a dinastia curda Baban, que organizou a resistência curda. A resistência tornou impossível para os otomanos manterem até a soberania nominal sobre o Curdistão iraquiano. Entre 1625 e 1668, e de 1694 a 1701, shaykhs locais governaram Al Basrah e os marshlands, terra de Madan (árabes marsh). Os poderosos shaykhs praticamente ignoravam o governador otomano de Bagdá.

O ciclo de guerras tribais e de deterioração da vida urbana que começaram no século XIII com as invasões mongóis, foram temporariamente revertidos com o surgimento dos mamelucos. No início do século XVIII, os mamelucos começaram a formar uma autoridade à parte dos otomanos. Estendendo seu governo, primeiro sobre Basra, os mamelucos finalmente controlaram os vales dos rios Tigre e Eufrates, do golfo pérsico até às montanhas do Curdistão. Para a maior parte, os mamelucos foram hábeis administradores e seu governo foi marcado por estabilidade política e renascimento econômico. O maior dos líderes mamelucos, Suleyman II (1780-1802), fez grandes progressos ao impor o império da lei. O último líder mameluco, Daud (1816-1831), iniciou importantes programas de modernização, que incluíam canais, construção de indústrias, treinamento de 20.000 soldados e o começo de uma imprensa.

O período mameluco terminou em 1831, quando uma grave enchente devastou Bagdá, possibilitando que o sultão otomano, Mahmud II, restabelecesse a soberania sobre o Iraque. O governo otomano foi instável. Bagdá, por exemplo, teve mais de 10 governadores entre 1831 e 1869. Em 1869, no entanto, os otomanos reconquistaram a autoridade quando Midhat Pasha foi indicado governador de Bagdá. Midhat imediatamente iniciou um processo de modernização do Iraque nos moldes ocidentais. Os objetivos primordiais das reformas de Midhat, chamadas de tanzimat, eram reorganizar o exército, criar códigos penais e comerciais, secularizar o sistema educacional e melhorar a administração provincial. Ele criou assembléias representativas provinciais para ajudar o governador e estabeleceu conselhos municipais eleitos nas cidades maiores. Auxiliado em grande parte pelos notáveis iraquianos sem laços fortes com as massas, os novos funcionários ajudaram um grupo de iraquianos a ganhar experiência administrativa.

Estabelecendo agências governamentais nas cidades e tentando assentar as tribos, Midhat alterou o equilíbrio de poder entre tribo e cidade, que desde o século XIII tinha pendido favoravelmente para o lado das tribos. O elemento mais importante do plano de Midhat para estender a autoridade otomana para o interior foi a lei da terra de 1858. A nova reforma agrária substituiu o sistema feudal de terras e taxas por direitos de propriedade legalmente sancionados. Na prática, as leis da terra possibilitaram que os shaykhs tribais se tornassem grandes senhores de terra; as tribos temendo que a nova lei fosse uma tentativa de coletar mais taxas de uma forma mais efetiva ou para impor recrutamento, registraram suas terras em nome de seus shaykhs ou as venderam para especuladores urbanos. Como resultado, os shaykhs tribais aos poucos foram transformados em senhores de terra enquanto as tribos eram relegadas ao papel de meeiras empobrecidas.

Midhat também tentou substituir o sistema educacional islâmico administrado pelos clérigos por um sistema educacional secular. As escolas seculares foram um canal para a mobilidade social de crianças de todas as classes e aos poucos criaram uma intelectualidade iraquiana. Também, pela primeira vez, os estudantes foram apresentados às línguas ocidentais.

A introdução de disciplinas ocidentais nas escolas foi acompanhada de uma presença política e econômica ocidental maior no Iraque. A Inglaterra estabeleceu um consulado em Bagdá, em 1802, e o consulado francês veio logo a seguir. O interesse europeu na modernização do Iraque para facilitar os interesses comerciais ocidentais coincidiu com as reformas otomanas. Barcos a vapor surgiram nos rios em 1836 e o telégrafo foi introduzido em 1861, e o canal de Suez foi aberto em 1869, dando um acesso maior do Iraque aos grandes mercados europeus. Os shaykhs tribais começaram a exportar os rendimentos das colheitas para os mercados capitalistas do ocidente.

Em 1908, uma nova facção governante, os Jovens Turcos, tomou o poder em Istambul. Os Jovens Turcos queriam transformar o império otomano em um estado unificado, com base nos padrões ocidentais. Eles enfatizaram a política secular e o patriotismo sobre a ideologia pan-islâmica pregada pelo Sultão Abd al Hamid. Eles reintroduziram a constituição de 1876, convocaram eleições por todo o império e reabriram o parlamento. Embora os delegados iraquianos representassem apenas as famílias proeminentes de Bagdá, sua experiência parlamentar em Istambul mostrou-se uma introdução importante ao governo autônomo.

Mais importante para a história do Iraque, os Jovens Turcos buscaram intensamente a política de "turquificação" que marginalizava a nascente inteligentsia iraquiana e afastava o movimento nacionalista árabe. Estimulados pela Revolução dos Jovens Turcos, de 1908, os nacionalistas do Iraque aumentaram sua atividade política. Os nacionalistas iraquianos se encontraram no Cairo com o Partido de Descentralização Otomana, e alguns iraquianos se juntaram à Sociedade dos Jovens Árabes, que foi para Beirute em 1913. Por causa de sua grande exposição para os ocidentais que estimulavam os nacionalistas, Basra tornou-se o centro de onde os nacionalistas iraquianos começaram a exigir uma medida de autonomia. Após 400 anos de governo otomano, o Iraque estava mal preparado para formar uma nação-estado. Os otomanos não conseguiram controlar os revoltosos e até nas cidades sua autoridade era fraca. A incapacidade dos otomanos em fornecer segurança levou ao crescimento de comunidades autônomas. Como resultado, o Iraque entrou no século XX às voltas com uma complexa rede de conflitos sociais que impediu o processo de construção de um estado moderno.

O conflito mais antigo e mais profundamente enraizado foi a rivalidade entre as tribos e as cidades para o controle sobre as terras produtivas dos rios Tigre e Eufrates. As políticas de centralização do governo otomano, principalmente no século XIX, constituiu uma ameaça para a estrutura nômade e o espírito violento das tribos. Além dos conflitos tribais/urbanos, as tribos lutavam entre si e havia uma hierarquia rígida entre as tribos mais poderosas, o chamado "povo do camelo" e as tribos mais fracas que incluía o "povo do carneiro", os marsh e os camponeses. As cidades também foram divididas, de acordo com a ocupação e linhagens religiosas. As várias associações residiam em áreas distintas e xiitas e sunitas raramente se misturavam. O território que finalmente se tornou o estado do Iraque também estava ás voltas com as diferenças regionais: Mosul, no norte, tinha simpatia com a Síria e Turquia, ao passo que Bagdá e as cidades sagradas xiitas mantinham laços mais estreitos com o Irã e com o povo dos desertos ocidentais e do sul.

O legado otomano no Iraque está relacionado à política dos Jovens Turcos e à criação de uma pequena mas atuante intelectualidade iraquiana. Os Jovens Turcos tentaram centralizar o império, impondo a língua e a cultura turcas e suprimindo liberdades políticas recém conquistadas. Esta política de "turquificação" marginalizou muitos intelectuais que tinham apoiado os Jovens Turcos na esperança de obterem maior autonomia árabe. Apesar de seu tamanho relativamente pequeno, a intelectualidade iraquiana que surgia formou várias sociedades nacionalistas secretas. A mais importante delas foi a Al Ahd (O Pacto), cujos membros eram oficiais iraquianos oriundos do exército otomano. A Al Ahd rapidamente se espalhou em Bagdá e Mosul, chegando a ter 4.000 membros no início da I Guerra Mundial. Apesar da existência da Al Ahd e de outros sociedades menores, o nacionalismo iraquiano ainda estava restrito aos árabes das classes média e alta.

FONTE:

" The Near East in History", Philip K. Hitti, New York, 1961.

 

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