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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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A TEOLOGIA WAHABBI

 

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O ambiente político e cultural da Arábia Saudita contemporânea foi influenciado por um movimento religioso que começou na Arábia central em meados do século XVIII. Este movimento, geralmente conhecido como 'movimento wahabbi', surgiu dos ensinamentos e pregações de Mohammad ibn Abd al Wahab, um jurista islâmico que tinha estudado na Mesopotâmia e em Hijaz, antes de voltar para a sua Najd natal, para pregar a mensagem da reforma islâmica

Muhammad ibn Abd al Wahhab estava preocupado com a forma como as pessoas de Najd estavam envolvidas com práticas que ele considerava politeístas, como, por exemplo, rezar para os santos, fazer peregrinações a túmulos e determinadas mesquitas, veneração de árvores, cavernas e pedras, e oferendas de sacrifício e votos. Ele também estava preocupado pelo que  percebia ser um relaxamento da adesão à lei islâmica e à prática das devoções religiosas, como a indiferença para a condição das viúvas e órfãos, adultério, negligência nas orações obrigatórias e a não distribuição justa da herança para as mulheres.

Quando Muhammad ibn Abd al Wahhab começou a pregar contra o que percebia como um desrespeito às leis islâmicas, ele definiu as práticas costumeiras como jahiliya, o mesmo termo usado para descrever a ignorância dos árabes pré-islâmicos. Inicialmente, sua pregação encontrou oposição mas, finalmente, ele obteve a proteção de um lider local, de nome Mohammad ibn Saud, com quem ele formou uma aliança. A persistência da influência do movimento wahabbi pode ser atribuída à associação próxima entre o fundador do movimento e o politicamente poderoso Al Saud, ao sul de Najd.

Esta associação entre Al Saud e o Al ash Shaykh, como  Muhammad ibn Abd al Wahhab e seus descendentes vieram a ser conhecidos,  transformou a lealdade política em obrigação religiosa. De acordo com os ensinamentos de  Muhammad ibn Abd al Wahhab, um muçulmano deve fazer bayah, ou um juramento de fidelidade, ao governante muçulmano durante sua vida, para assegurar sua redenção depois da morte. O governante, por outro lado, deve ter a fidelidade inquestionável de seu povo enquanto ele governar a comunidade de acordo com as leis de Deus. O objetivo da comunidade muçulmana é transformar o corpo vivo das leis de Deus e é responsabilidade do governante legítimo assegurar que o povo conheça as leis de Deus e que viva em conformidade com elas.

Muhammad ibn Saud transformou sua capital, Ad Diriyah, em um centro de estudo da religião, sob a orientação de Muhammad ibn Abd al Wahhab e enviou missionários da religião reformada por toda a península, golfo, Síria e Mesopotâmia. Além disso, começaram um jihad contra os muçulmanos apóstatas da península. Sob a bandeira da religião e pregando a unicidade de Deus e a obediência ao governante muçulmano justo, Al Saud, em 1803, expandiu seu domínio por toda a península, desde Meca até o Bahrein, estabelecendo professores, escolas e todo um aparato de poder de estado. Tão frutífera foi a aliança entre  Al ash Shaykh e Al Saud que, mesmo depois do sultão otomano ter esmagado a autoridade política wahabbi e ter destruído a capital wahabbi de Ad Diriyah, em 1818, a religião reformada permaneceu firmemente plantada nas províncias do sul de Najd e de Jabal Shammar, no norte. Quando, no século seguinte, Al Saud chegou ao poder de novo, o wahabismo tornou-se a ideologia da península.

A mensagem básica de Muhammad ibn Abd al Wahhab foi a unicidade essencial de Deus (tawhid). O movimento é conhecido por seus adeptos como ad dawa lil tawhid (o chamado para a unicidade), e aqueles que seguem o chamado são conhecidos como ahl at tawhid (o povo da unidade) ou muwahhidun (os unitários) A palavra wahabbi foi originalmente usada de forma ofensiva pelos oponentes, mas hoje tornou-se lugar comum e é usada até por alguns exegetas wahabbi de Nadj.

A ênfase de Muhammad ibn Abd al Wahhab na unicidade de Deus foi usada em contraposição ao shirk,    ou politeísmo, definido como um ato de associar qualquer pessoa ou objeto a poderes que devem ser atribuídos somente a Deus. Ele condenou os atos específicos que ele entendia que levavam ao shirk, como oferendas votivas, preces aos túmulos dos santos e qualquer ritual de oração onde os suplicantes apelam por uma intercessão a Deus. Certos festivais religiosos foram proibidos, inclusive a comemoração do aniversário do Profeta, os velórios xiítas e o misticismo sufi.

A generalização do conceito de shirk é vista como iconoclastia, e persistiu durante o século XX, mais notadamente com a conquista de At Taif, em Hijaz. Um século antes, em 1802, guerreiros wahabbi atacaram e danificaram um dos mais sagrados templos xiitas, o túmulo de Hussein,  filho de Imam Ali e neto do Profeta, em Kerbala, no Iraque. Em 1804, os wahabbis destruíram túmulos no cemitério dos homens santos em Medina, que era um local de oferendas votivas e preces.

Seguindo a escola jurídica de Ahmad ibn Hanbal, os ulama wahabbi só aceitam a autoridade do Alcorão e da Sunnah. Eles rejeitam a reinterpretação do Alcorão e da Sunnah, no que diz respeito a questões claramente decididas pelos primeiros juristas. Ao rejeitar a validade da reinterpretação, a doutrina wahabbi se contrapõe ao movimento muçulmano de reforma dos séculos XIX e XX, mais notadamente nos padrões referentes às relações entre homens e mulheres, direito de família e democracia participativa. No entanto, o objetivo maior de reinterpretação permanece entre os juristas wahabbis em questões não definidas pelos primeiros juristas. O rei Fahd ibn Abd al Aziz Al Saud constantemente tem chamado os exegetas para se engajarem na ijtihad, para tratar das novas situações que desafiam a modernização do reino.

O movimento wahabbi em Najd foi singular em dois aspectos: primeiro, os ulamas de Najd interpretavam o Alcorão e a Sunnah de forma muito literal e quase sempre no sentido de impor as práticas adotadas em Najd; em segundo lugar, a liderança política e religiosa exerceu sua vontade política coletiva para dar conformidade ao comportamento. Muhammad ibn Abd al Wahhab dizia que havia três objetivos para o governo islâmico e sua sociedade; estes objetivos foram reafirmados nos dois séculos que se seguiram, na literatura missionária, nos sermões, nas fatwas, e nas explicações wahabbi da doutrina religiosa. De acordo com Muhammad ibn Abd al Wahhab, os objetivos eram "crer em Allah, ordenar o bom comportamento e proibir o ilícito."

Sob o reinado de Al Saud, os governos, principalmente durante o renascimento wahabbi nos anos 20, mostraram sua capacidade e presteza em impor o cumprimento das leis islâmicas e das interpretações dos valores islâmicos para si e para os outros. As interpretações literais do que se constituia comportamento correto de acordo com o Alcorão e os hadices, deram aos wahabbi a alcunha de 'muçulmanos calvinistas'. A vestimenta tanto para homens como para as mulheres é prescrita de acordo com o Alcorão, mas os wahabbis especificam o tipo de roupa que deve ser vestida, principalmente pelas mulheres.  A música e a dança também foram proibidas na época dos wahabbis, assim como a risada alta e o choro efusivo, particularmente nos funerais.A ênfase wahabbi tornou a aparência e o comportamento externos uma expressão visível da fé interior. Assim, a adesão à verdadeira fé é demonstrada de forma perceptível e a comunidade pode julgar na aparência  a qualidade da fé de uma pessoa, observando os atos daquela pessoa. Neste sentido, a opinião pública transforma-se num regulador do comportamento individual. Por isso, dentro da comunidade wahabbi, que se empenha para ser o corpo coletivo das leis de Deus, é responsabilidade de cada muçulmano cuidar do comportamento de seu vizinho e adverti-lo se ele se desviar.

Para assegurar que a comunidade do fiel "aconselhará o bem e proibirá o mal", incentivadores morais, conhecidos como mutawiin foram parte integrante do movimento wahabbi desde o seu começo. Eles serviram como missionários, como incentivadores da moral pública e como "ministros da religião", que pregavam nas mesquitas às sexta-feiras. Além de obrigarem os homens à prática da oração pública, os mutawiin também eram responsáveis pelo fechamento das lojas nos horários das orações, pela busca das infrações da moralidade pública como música, dança, álcool, cabelo longo para os homens ou cabeças descobertas para as mulheres, e pela forma de vestir.

No primeiro quarto do século XX, a promoção do wahabbismo foi um fator decisivo para Abd al Aziz para criar uma coesão entre as diversas tribos e províncias da península. Ao reviver a noção de uma comunidade de crentes, unida pela submissão a Deus, o wahabbismo ajudou a criar um sentido de identidade comum que ultrapassou as lealdades provinciais. Ao abolir o tributo pago pelas tribos inferiores às tribos militarmente superiores, Abd al Aziz minou as hierarquias tradicionais de poder e transformou a devoção ao Islam e a ele mesmo, como o governante islâmico probo, o elemento que manteve seu reino unido. No início de 1900, a unidade no Islam da ummah muçulmana, sob a liderança de Al Saud, foi a base para a legitimização do estado saudita.

A promoção do Islam em grande parte foi a responsável pelo sucesso da ideologia wahabbi ao inspirar os ideais do movimento Ikhwan. No início de 1912, comunidades agrícolas chamadas hujra foram criadas pelos beduínos que acreditavam que ao se estabelecerem na terra estavam cumprindo o requisito para viver uma vida muçulmana; eles estavam fazendo a hégira, 'a jornada da terra dos infiéis para a terra dos fiéis.' Ainda não está claro se os assentamentos da Ikhwan foram iniciados por Abd al Aziz ou se ele cooptou o movimento logo que começou, mas os assentamentos tornaram-se cantões militares a serviço da consolidação do poder de Abd al Aziz.

Como muçulmano wahabbi recém convertido, os Ikhwan eram fanáticos na imposição de seu fanatismo pelo comportamento correto dos outros. Promoveram a rígida separação dos sexos em suas cidades, o extremo cuidado nas orações e usavam a violência na tentativa de impor as restrições wahabbis aos outros. Seu fanatismo os levou a uma força fantástica e com a assistência do Ikwan, Abd al Aziz ampliou as fronteiras de seu reino para o leste, Hail e Hijaz.

Em 1990, a liderança saudita não mais salientava sua identidade como herdeira do legado wahabbi e nem os descendentes de Muhammad ibn Abd al Wahhab, o Al ash Shaykh, continuaram a ocupar os mais elevados postos na burocracia religiosa. A influência wahabbi na Arábia Saudita, no entanto, permaneceu materializada nas roupas, no comportamento público e na oração pública.

 

continua

 

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