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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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AS CRUZADAS

 

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O Cruzado errante, séc. XIX,

Rheinisches Landesmuseum, Bona

 

Introdução

Em novembro de 1095, o papa Urbano II fez um importante pronunciamento ao final do Concílio realizado em Clermont, na França. Nesse Concílio ele mobilizou a nobreza européia ocidental, os francos, para que fossem para o Oriente, a fim de ajudar seus irmãos cristãos, os bizantinos, contra os ataques dos turcos muçulmanos. Aparentemente ele os estava encorajando a libertar Jerusalém, a cidade mais sagrada e querida da cristandade, da dominação dos muçulmanos, que a governavam desde que havia sido tomada dos cristãos bizantinos, em 638.

A resposta ao discurso de Urbano deve ter assustado o próprio papa. Uma grande quantidade de francos, entre nobres e plebeus, responderam ao seu chamado com grande entusiasmo e, em grandes ondas, partiram em direção ao Oriente. Além de todas as expectativas mais otimistas, eles retomaram Jerusalém em julho de 1099, estabelecendo muitos estados cruzados que duraram por quase dois séculos. Deixaram sua marca no imaginário ocidental, que perdura até os dias de hoje. Criaram um legado permanente para as culturas cristã e muçulmana. Como qualquer grande evento histórico, alguns dos legados foram positivos e outros foram negativos. E começaram um movimento que, de acordo com muitos historiadores, durou muito além da Idade Média.


O que foram as Cruzadas? Quem participou delas? Por que elas aconteceram?

Antecedentes políticos e militares

Para responder à primeira questão, precisamos considerar, primeiramente, a história da Europa e do Oriente Médio no milênio anterior a 1095.

No primeiro século da era cristã, o cristianismo surgiu na Palestina e se espalhou rapidamente por todo o Império Romano. Ao final do século IV, o Império Romano tornou-se oficialmente cristão, como resultado de uma atividade missionária pacífica, oriundo de dentro da sociedade. A Palestina e a Síria, situadas dentro das fronteiras do Sacro Império Romano, tornaram-se predominantemente cristãs (a população judia de Jerusalém havia sido dispersada pelas autoridades romanas e somente uns poucos judeus permaneceram na região).

No século VII, o Islam surgiu na península arábica. Como o cristianismo, o Islam oficialmente condenava as conversões forçadas, mas instruía seus seguidores a assegurar que o mundo islâmico se mantivesse  sob o controle político e militar dos fiéis. O Islam irrompeu por toda a Arábia e rapidamente controlou o Oriente Médio. Bizâncio e a Pérsia, os dois maiores impérios da época, estavam desgastados por conflitos prolongados entre si. A primeira a sucumbir foi a Pérsia, seguida do império bizantino, que foi derrotado e aniquilado em 636. Jerusalém se renderia em 638. Por todo o século VII, os exércitos árabes avançaram inexoravelmente para o norte e oeste.  

No início do século VIII, as forças árabes alcançaram o Estreito de Gibraltar e, em 711, cruzaram a Espanha européia e destruíram os visigodos cristãos. Em 712, alcançaram o centro da Península Ibérica e em 730 estavam atacando o coração da França, quando foram derrotados em Tours, interrompendo o avanço muçulmano em direção norte.

Pelos próximos 300 anos, cristãos e muçulmanos se envolveram numa luta prolongada, incluindo o cerco de Constantinopla pelos árabes, em 717-718, e a tomada da Sicília e de outras ilhas do Mediterrâneo, no século IX, pelos muçulmanos. Durante o século X, os bizantinos alcançaram algumas pequenas vitórias para o império, mas não conseguiram retomar Jerusalém.

Em meados do século XI, os árabes foram substituídos na liderança do Islam  pelos turcos, que haviam se convertido ao Islam. Os turcos desorganizaram as estruturas políticas e sociais da região e criaram consideráveis embaraços para os peregrinos ocidentais. Até então, os governantes árabes tinham sido tolerantes com os interesses cristãos nos lugares sagrados (a única exceção foi o Califa Hakim, o Louco, que no começo do século XI destruiu igrejas e perseguiu judeus e cristãos). Na segunda metade do século XI, muitos peregrinos seguiam para os lugares sagrados somente em grandes grupos armados, grupos esses que em muito já davam sinais do que viriam a ser as próximas cruzadas.

Os turcos também impuseram uma nova ameaça aos bizantinos. Em 1071, eles enfrentaram e derrotaram o exército bizantino na Batalha de Manzikert, próximo à Armênia, deixando todo o império, na Ásia Menor, exposto e sem defesa. Os turcos logo se estabeleceram em Nicéia, próximo a Constantinopla. No mesmo ano, os normandos do sul da Itália, liderados por Robert Guiscard, derrotaram os bizantinos em Bari e os expulsaram do território italiano.

A coroa bizantina foi contestada tanto por Manzikert como por Bari; o vitorioso foi Alexius Comnenus, um soldado capaz e diplomata inteligente. Percebendo que o império estava em situação periclitante, ele enviou um desesperado pedido de socorro ao Ocidente, principalmente ao Papa. Gregório VII pensou logo em mandar uma expedição para ajudar os bizantinos. No entanto, ele estava por demais preocupado com o imperador Henrique IV e a Controvérsia da Investidura e com o crescimento do poder normando sob a liderança de Robert Guiscard, no sul da Itália, para atender ao pedido de forma mais concreta.

Alexius continuou a apelar ao Ocidente, mas, na primavera de 1095, o Papa Urbano II permitiu a presença de delegados bizantinos no Concílio de Piacenza e deu sua autorização para aqueles nobres que estivessem inclinados a atender ao pedido de Alexius. Em seguida, foi para a França para resolver alguns problemas ligados à Igreja. Em novembro desse mesmo ano, ele estava em Clermont e foi lá que ele pronunciou seu discurso que contagiou o imaginário do Ocidente.

Não se sabe exatamente o que Urbano tinha em mente quando conclamou os nobres para as expedições ao Oriente. Parece pouco provável que Urbano vislumbrasse ondas de camponeses francos viajando para Jerusalém. Alexius tinham pedido um grande contingente de mercenários, principalmente normandos, para se apresentarem e servirem ao exército bizantino. Urbano possivelmente pensasse em alguma coisa um pouco mais elaborada do que aquilo - entre outras coisas, é provável que esperasse que uma expedição ao Oriente, realizada sob a liderança papal e composta de nobres de diversas partes da Europa ocidental, fortaleceria sua posição na Controvérsia da Investidura com o Santo Império Romano.

A Primeira Cruzada

Nem Alexius, nem Urbano, conseguiram executar exatamente o que tinham em mente. Um grande número de cavaleiros e camponeses pobres responderam  ao chamado e partiram imediatamente sem qualquer preparativo prévio. Essa espécie de participação não era o que eles esperavam e ninguém estava preparado para lidar com eles.

Pelo caminho, alguns desses cruzados despreparados massacraram judeus alemães, na suposição de que a batalha contra os inimigos de Cristo devia começar em casa. Quando os cruzados chegaram à Ásia Menor no ano seguinte, foram rapidamente massacrados pelos turcos. Os barões francos, acostumados à guerra e aos seus preparativos necessários, esperaram pelo momento oportuno para a partida. No verão de 1096, eles partiram com grandes contingentes de soldados e seguiram por  diferentes caminhos. Nenhum rei participou dessa cruzada e a liderança dos contingentes coube a diversos nobres e a um representante do Papa. Os mais conhecidos foram Bohemond de Taranto, Raymond de Toulouse, Hugh de Vermandois, Godofredo de Bouillon, Baldwin de Boulogne, Robert de Flandres e Robert da Normandia. O representante do papa foi o bispo Adhmar, de Le Puy.

Depois de uma viagem longa e penosa, finalmente, no verão de 1099, os primeiros cruzados  alcançaram Jerusalém e a ocuparam. O resultado final da Primeira Cruzada foi o estabelecimento de quatro "estados" latinos, ou "reinos", no Oriente Médio: o Condado de Edessa, o Principado de Antioquia, o Condado de Trípoli e o Reino de Jerusalém, a quem coube uma certa preponderância sobre os outros três.

É um fato curioso que a tomada de Jerusalém não tenha causado uma agitação maior no mundo muçulmano e raramente é mencionado nas crônicas muçulmanas da época. Não foi senão mais tarde, que os muçulmanos decidiram retomar Jerusalém dos cristãos pela segunda vez.

As Cruzadas e  as   Contra-Cruzadas

Enquanto isso, os sucessores de Zangi, como Nur ad-Din, continuavam investindo contra os estados cruzados. Depois da morte de Nur ad-Din, a liderança islâmica ficou com o oficial curdo, Salah ud-Din, ou Saladino, como é mais conhecido no Ocidente. Saladino foi um dos maiores generais muçulmanos e tinha uma personalidade admirável e carismática. Em 1187 ele aprisionou todo o exército do Reino de Jerusalém nas montanhas próximas ao mar da Galiléia e o aniquilou. Em poucos meses ele retomava todo o reino, com exceção do porto marítimo de Tiro e o castelo das proximidades.  Mas Tiro não resistiu por muito tempo e o Ocidente, mais uma vez,veio em socorro dos estados cruzados, realizando a Terceira Cruzada. Liderada por Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, Felipe II da França e Frederico, Barba Ruiva, conseguiram retomar uma grande parte do território perdido. Apesar dos esforços de Ricardo Coração de leão, Jerusalém não foi retomada. Tanto Ricardo quanto os barões locais concordaram que a menos que o poder egípcio estivesse em mãos de aliados, Jerusalém não poderia ser retomada, mesmo que pudesse ser capturada.

Em 1198, chegou ao poder o papa Inocêncio III. Ele tinha um particular interesse nas cruzadas e um de seus primeiros atos foi promover a Quarta Cruzada. Esta cruzada sofreu uma série de contratempos e jamais alcançou a Terra Santa. A intervenção dos interesses comerciais venezianos e dos príncipes bizantinos deserdados, desviou a atenção do governo de Bizâncio, o que determinou, em 1204,  a captura e o saque desastroso de Constantinopla. Embora os bizantinos recuperassem sua capital em 1261, a Quarta Cruzada só trouxe prejuízo ao Império. Quando ela terminou, os atritos e desentendimentos entre o Ocidente e o Oriente, que tinham começado com a Primeira Cruzada, transformaram-se em ódio permanente.

Desapontado, Inocêncio começou os preparativos para uma outra cruzada, mas ele morreu antes que pudesse empreendê-la. A Quinta Cruzada foi direcionada contra o Egito, tendo em vista a realidade estratégica que Ricardo havia notado e quase foi um sucesso, mas, no final, acabou em derrota também.

As Sexta, Sétima e Oitava Cruzadas cumpriram alguns objetivos limitados. Nenhuma delas foi realmente vitoriosa, embora a Sétima Cruzada, em especial, liderada pelo Rei Luís IX, da França, tenha chegado até nós como um episódio romântico, igual, em muitos aspectos, à Terceira Cruzada. Enquanto isso, a Contra-Cruzada muçulmana se recuperava  do revés sofrido na Terceira Cruzada e, em 1291, os cristãos foram expulsos de suas últimas fortalezas. O cristianismo perdia, uma vez mais, a Terra Santa.

Tendo tomado a iniciativa, os muçulmanos a conservaram. Os europeus ocidentais já não mais tinham interesse nas cruzadas, a menos que vivessem em regiões fronteiriças com os muçulmanos e, por outro lado, França e Inglaterra estavam começando a Guerra dos Cem Anos, um conflito que iria absorver todos os seus recursos. Algumas outras cruzadas foram empreendidas em 1365 (Cruzada de Alexandria), em 1396 (Cruzada de Nicópolis) e 1444 (Cruzada de Varna). Mas os turcos pareciam cada vez mais invencíveis. Em 1453, eles tomaram Constantinopla dos últimos sobreviventes do Império Bizantino, colocando um fim a quase 2.000 anos de governo romano no Oriente. 

As Últimas Cruzadas.

Costuma-se achar que as Cruzadas terminaram em 1291, com a perda da Terra Santa. Estudiosos modernos têm argumentado que os homens medievais podem ter achado que as expedições empreendidas a outros lugares tivessem o mesmo peso e prestígio das antigas Cruzadas. Fontes primárias confirmam que muitos, senão todos os mecanismos administrativos que apoiaram as Cruzadas no Oriente, também apoiaram cruzadas a outros lugares. Atualmente, muito poucos estudiosos se apegam à noção de que as Cruzadas morreram com a perda da Terra Santa. O que se percebe é que a idéia das cruzadas evoluiu e se adaptou às novas circunstâncias e necessidades, permanecendo viva durante a Idade Moderna.

A península ibérica tinha sido palco de luta constante desde que os árabes muçulmanos a invadiram em 711. Por volta da metade do século XI, forças cristãs conseguiram recuperar quase metade da península e os papas, a fim de ajudá-las em sua luta, tinham disponibilizado indulgências para aqueles que viessem de outras terras para ajudar os espanhóis em seu objetivo de reconquista. Em alguns aspectos, então, pode-se afirmar que a Reconquista foi a verdadeira "Primeira Cruzada".

Quando em 1140, depois da queda de Edessa,  São Bernardo pregou a Segunda Cruzada, os espanhóis pediram e receberam privilégios para um esforço renovado contra os muçulmanos. Além disso, os saxões receberam alguns privilégios em razão de uma cruzada contra os vizinhos pagãos. Portanto, a Segunda Cruzada foi, de fato, um terceiro front de guerra e embora tenha contribuído para a sua derrota final, também estabeleceu o precedente de que as cruzadas poderiam ser oficialmente empreendidas em áreas que não a Terra Santa.

Um outro passo na evolução das cruzadas chegou no início do século XIII. Uma heresia maniqueísta, cujos seguidores eram conhecidos como os cátaros, ou albigenses, surgiu no sul da França.  Espalhou-se rapidamente e mostrou-se impossível de ser extirpada através de meios comuns, como a persuasão. Finalmente, Inocêncio III declarou uma cruzada contra aqueles heréticos, tornando a Cruzada Albigense a primeira contra inimigos internos do cristianismo, ao invés dos habituais inimigos externos.

Por todo esse período, o papado manteve um longo conflito com o Santo Império Romano, iniciado primeiramente na península itálica. Em períodos de grandes necessidades, os papas algumas vezes iriam empreender cruzadas contras seus inimigos políticos nesses conflitos, o que acabou desvirtuando o ideal primeiro das cruzadas e trazendo descrédito a elas.

Enquanto isso, os bispos germânicos  começaram um trabalho missionário entre os pagãos da região dos Balcãs. Alguns prussianos, lituanos e livonianos (povo que vivia na região que hoje corresponde à Estônia) realmente se converteram, mas seus vizinhos infiéis muitas vezes os perseguiram e assassinaram, tanto convertidos quanto missionários. Finalmente, os missionários pediram ajuda para proteger seus convertidos e os cruzados, originariamente germanos, responderam ao chamado.

Logo uma ordem militar, os Cavaleiros Teutônicos, envolveu-se na região e uma cruzada báltica contra os pagãos se iniciou. Este conflito foi marcado por um nível de selvageria muito maior do que na Terra Santa. A civilização dos prussianos e lituanos pagãos eram bem inferior à dos relativamente sofisticados cristãos germanos por um único aspecto, o mútuo respeito que muitas vezes marcou os contatos entre turcos e francos esteve praticamente ausente na região dos Balcãs. E, como bem pode imaginar-se, a proibição cristã contra conversões forçadas foi esquecida.

Os Cavaleiros Teutônicos estabeleceram "Estados-Ordem" na Prússia e em Livônia, e logo sua política de cruzadas imbricou-se com a política externa desses estados. Muitas vezes os Cavaleiros empreenderam cruzadas contra os cristãos, inclusive contra os católicos e os russos ortodoxos. Ocasionalmente, o papado tentava refreá-los, mas sem muito sucesso.

Ao final do século XIV, os lituanos se converteram em massa ao cristianismo e as coroas da Polônia e da Lituânia se unificaram pelo casamento. Este poder combinado mostrou ser demais para os Cavaleiros Teutônicos. Em 1410, eles foram derrotados na Primeira Batalha de Tannenberg e deixaram de ser os principais atores na região. No século seguinte, os prussianos e os Cavaleiros Teutônicos da Livonia converteram-se ao luteranismo e fundaram  ducados seculares.

Os cruzados também foram chamados para lutar contra os hussitas da Boêmia, no século XV. Os hussitas eram seguidores do reformador boêmio, Jan Hus, que foi declarado herético e queimado em 1415. Muitos boêmios, motivados por razões políticas e religiosas, revoltaram-se contra seus governantes germânicos católicos e formaram uma espécie de república. Muitas cruzadas foram empreendidas contra eles mas todas fracassaram. Finalmente, as Cruzadas Hussitas terminaram com um acordo.

Antecedentes adicionais

Deste relato, poderia parecer que as Cruzadas fossem simplesmente uma questão político-militar. No entanto, este não foi o caso. Havia muitos outros elementos que levaram ao fenômeno da cruzada, que envolveu a participação de cristãos na guerra organizada por conta de sua religião e de seu Deus.

No começo, o cristianismo tinha um comportamento ambivalente em relação à guerra. O pacifismo nunca foi a posição oficial da Igreja, embora houvesse sempre uma facção pacifista dentro do cristianismo, alguns dos primeiros convertidos cristãos eram soldados e aparentemente permaneceram em seus postos depois da conversão (Atos 10). Depois que o governo romano tornou-se oficialmente cristão, no entanto, os oficiais cristãos precisavam de orientação para o uso da violência. Em resposta a essa necessidade, a doutrina da Guerra Justa evoluiu. Afirmava que a violência era um mal, mas reconhecia que a passividade em face da violência dos outros poderia ser um mal maior. Consequentemente, três condições principais foram estabelecidas e se essas condições fossem encontradas, os cristãos poderiam se engajar na guerra sem temer o fogo eterno. A guerra devia ter uma Causa Justa, precisava ser feita sob a Autoridade Devida e os combatentes cristãos precisavam ter Intenções Corretas.

A estrutura teológica da Guerra Justa é complicada mas, em resumo, significava que a guerra, seja para evitar uma provável injúria, seja para corrigir uma injúria passada, precisava ser feita sob a direção e atendendo ao chamado de uma autoridade governamental suprema, e que a violência empregada não fosse excessiva.

Nos séculos X e XI, inúmeros sacerdotes começaram a se preocupar com o estado organizacional e a moral da Igreja. Eles criaram um movimento que finalmente tomou o controle do papado e trouxe uma  mudança radical para o cristianismo ocidental.

Uma dessas mudanças envolvia um ajustamento na doutrina da Guerra Justa. A Igreja e o estado estavam intimamente ligados neste período e alguns pensadores concluíram que isto significava a Vontade de Cristo para a humanidade, personificada na Igreja, poderia  avançar também nas estruturas políticas dos povos cristãos. Eles também teorizavam que a violência não poderia ser simplesmente o mal menor (como a doutrina da Guerra Justa estipulava); a violência, diziam eles, era moralmente neutra e aqueles que a usassem para o progresso do Reino de Cristo poderia   transformá-la num bem positivo. A doutrina é conhecida como a Guerra Santa.

Uma outra mudança envolveu as classes dos nobres guerreiros do Ocidente. Os guerreiros tinha defendido a civilização cristã contra as ondas sucessivas de ataques dos bárbaros na segunda metade do primeiro milênio, mas, no século X, os bárbaros ou foram domesticados ou destruídos. Somente os muçulmanos, ou "sarracenos", permaneceram. Nas regiões que estivessem longe da fronteira muçulmana, esses nobres guerreiros voltaram suas energias uns contra os outros, ou pior, contra os não combatentes próximos a eles. Esta violência endêmica na sociedade contradizia o ensinamento cristão e perturbou profundamente alguns sacerdotes mais atentos.

Os monges reformistas esforçaram-se para pacificar esses nobres guerreiros ingovernáveis. Vários concílios propuseram tréguas, onde as hostilidades precisavam cessar e estabeleceram que os não combatentes (camponeses, clérigos, mulheres, comerciantes) não podiam ser atacados. Essas tentativas tiveram um sucesso limitado.

Um outro elemento da sociedade européia ocidental, que indubitavelmente influenciou na formação das cruzadas, foi a especulação sobre uma segunda vinda do Cristo. Os estudiosos questionam sobre a importância desse fator, mas parece provável que, pelo menos algumas pessoas acreditassem que Jerusalém precisava ser retomada pelos cristãos antes que o Cristo retornasse e algumas pessoas (principalmente entre as classes mais baixas) tinham uma vaga idéia mental de "Jerusalém", que conflitava a cidade terrestre na Palestina e a Jerusalém Celeste. Se era ruim ter os descrentes controlando a cidade terrena, muito pior era que eles governassem a cidade celeste.

Fatores sócio-econômicos também contribuíram para a formação das Cruzadas. Na segunda metade do primeiro milênio, europeus ocidentais adotaram inúmeras inovações agrícolas. É provável que essas inovações tenham aumentado a produção de alimentos, o que, por sua vez, deve ter determinado o aumento da população, disponibilizando a força masculina para as expedições (e possivelmente criando pressão sobre os recursos existentes que, de acordo com alguns historiadores, levaram os homens a começar a procurar por aventuras externas). Além disso, a ascensão de uma classe de nobres menores, que coletavam e dispunham da produção local com relativa eficiência pode ter contribuído, colocando recursos nas mãos das pessoas que realmente podiam ajudar nas cruzadas.

Alguns estudiosos deram muito importância à idéia de que os cruzados ganharam fortunas oriundas das Cruzadas e que muitos desses cruzados foram motivados pela ganância e fome de poder. As fontes primárias não amparam essa idéia, porque parece que as cruzadas foram uma proposição cara, perigosa, difícil e solitária. São poucos os que aceitam essa explicação hoje.

Existem outros fatores que levaram às Cruzadas, mas os descritos acima foram os mais importantes. Deve-se ter em mente que as Cruzadas foram um enorme fenômeno complexo, que se espalhou por muitas terras, durante  séculos. Muitas motivações para as cruzadas existiram e muitas provavelmente coexistiram dentro das mentes dos cruzados.

Cruzadas - Votos e Privilégios

Independente da motivação, um indivíduo passava por uma cerimônia específica antes que ele pudesse ser considerado um "cruzado". Esse cerimonial, de uma certa forma, evoluiu no decorrer dos séculos, mas suas linhas  gerais permaneceram as mesmas. Um aspirante a "cruzado" buscava uma autoridade eclesiástica (um padre, um bispo) e jurava realizar "peregrinação" armada em defesa dos Lugares Sagrados. De um modo geral, ele recebia uma capa com uma cruz que ele colocava sobre suas roupas para significar sua nova condição.

Os votos eram tomados normalmente em resposta a um pedido oficial de uma cruzada, feito por um clérigo licenciado. Eles só podiam ser feitos por lutadores ou por aqueles que, de outra maneira, contribuíssem para o esforço militar e não podiam ser tomados sem a permissão da esposa do cruzado, uma vez que a sua longa ausência a privaria do que delicadamente se chamava "direitos conjugais" (O papa Inocêncio III, precisando de tropas para seus objetivos, modificou esta condição no século XIII, mas isso violava uma antiga tradição da Igreja e as claras intenções da lei canônica).

A propriedade do cruzado e a pessoas que nela morassem eram colocadas sob a proteção da Igreja e ele podia se preparar para partir. Se ele não cumprisse seu juramento dentro de um certo período de tempo, ele poderia ser excomungado pela Igreja até que ele mantivesse a palavra.

Muitas vezes era oferecida aos cruzados que retornavam uma indulgência pela participação nas dificuldades da cruzada. A indulgência mais tarde foi vulgarizada e a palavra adquiriu uma conotação justificadamente ofensiva.

Em resumo, a indulgência afirmava que se um indivíduo fosse um verdadeiro penitente de seus pecados ele poderia obter a remissão ou o perdão para as faltas temporais, desempenhando algumas tarefas árduas, virtuosas ou desagradáveis, como compensação pelos pecados. Esta remissão se aplicaria às penalidades impostas pela Igreja na terra e poderia ser também aplicada para as penalidades impostas pela Igreja no outro mundo.

Muitas das pessoas naquela época tinham um profundo interesse pelo seus destinos no outro mundo e a indulgência foi um incentivo poderoso para a participação nas cruzadas. Foi especialmente eficaz entre os povos a quem a Igreja tentava recrutar, como os barões, por exemplo, que eram guerreiros valentes mas que usavam sua competência para alvos ilícitos, como lutar contra outros cristãos, e que, por consequência, tinham a consciência pesada.

Deve ser notado também, que cruzados não faziam votos para "ir às cruzadas". O termo cruzada em qualquer língua é uma invenção posterior. O que chamamos de "cruzadas", naquela época era conhecido como "peregrinação" ou, mais simplesmente, "viagens".

Legado

A Espanha completou sua Reconquista em 1492, ao derrotar o reino muçulmano de Granada e finalmente recuperar a península que tinha sido ocupada pelos muçulmanos desde 711. Os longos séculos de cruzadas afetaram a Espanha e explicam muito das atividades da Espanha moderna. É interessante notar que Cristóvão Colombo queria em parte encontrar um novo caminho para Jerusalém e em parte adquirir fortuna que possibilitasse os reis católicos de Espanha levar sua Reconquista através do norte da África e em direção a Jerusalém. Outros conquistadores foram aparentemente motivados pelas mesmas razões e a armada espanhola enviada contra a Inglaterra protestante, em 1588, tinha muitos dos aspectos legais de uma cruzada.

As cruzadas continuaram a ser invocadas, como a de 1683, quando o rei polonês Jan Sobieski liderou uma para o resgate de Viena, salvando-a de um cerco promovido pelos turcos otomanos. Depois de 1700, contudo, a ameaça do mundo muçulmano começou a diminuir consideravelmente e com isso os últimos vestígios das cruzadas organizadas começaram a desaparecer.






Copyright (C) 1997, Paul Crawford. Este arquivo pode ser copiado sob a condição de que seu conteúdo, inclusive o título e este aviso de copyright, permaneçam intactos.

 

 

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