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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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OS TURCOS

 

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A entrada dos turcos seljúcidas na Ásia ocidental, na segunda metade do século XI, constituiu-se em um dos maiores acontecimentos da história mundial. Acrescentou uma terceira nação ao Islam dominante, depois dos árabes e persas, prolongou a vida de um califado moribundo por mais duzentos anos, tirou a Ásia Menor do cristianismo e abriu o caminho para a invasão da Europa pelos otomanos. Permitiu, ainda, que os muçulmanos ortodoxos aniquilassem o ismailismo e pôs  fim à dominação política dos árabes no Oriente Próximo, difundiu a língua e cultura persas por uma vasta área, desde a Anatólia até ao norte da Índia, representou uma grave ameaça aos poderes cristãos, e impeliu o ocidente a empreender a contra-ofensiva das Cruzadas.

As primeiras nações turcas  surgiram em meados do século VI, quando construíram um império nômade de vida curta nas estepes da Ásia,  conhecidas como Turquestão, a terra dos turcos. Quando o império se fragmentou em várias confederações, segmentos da raça turca, sob uma quantidade espantosa de nomes, espalharam-se  sobre uma grande área, desde os Uighurs, que já haviam sido da Mongólia, até às estepes russas. Apesar das grandes diferenças entre eles - alguns com influência chinesa, outros com influência persa, alguns eram nômades, outros eram sedentários -, todos falavam dialetos do mesmo tronco, tinham as mesmas tradições e lendas folclóricas e professavam o xamanismo, religião  que  se baseava na crença de que os espíritos bons e maus eram dirigidos por xamãs. Calculavam o tempo de acordo com um ciclo de doze anos, com nomes de animais, como o ano da Pantera, o ano do Cavalo, o ano da Lebre, etc.

O Oxus foi a fronteira tradicional entre a civilização e o barbarismo na Ásia Ocidental, entre o Irã e o Turan, e a lenda persa, em forma de um grande épico, o Shah-namah, falava das batalhas heróicas dos iranianos contra o rei turaniano, Afrasi-yab, que, depois de perseguido, ia morrer no Azerbaijão. Quando os árabes cruzaram o Oxus, depois da queda dos sassânidas, eles cuidaram do khan, contra os nômades bárbaros.

As tribos turcas estavam desorganizadas politicamente e não foram capazes de opor uma resistência unificada aos árabes, que, assim, conseguiram chegar até ao rio Talas. Por aproximadamente três séculos, a Transoxiana, ou como os árabes a chamavam, Ma Wara l-Nahar, "a que está além do rio", foi uma terra próspera, livre de incursões nômades mais sérias, e cidades como Samarcanda e Bucara ganharam fama e riqueza.

A partir do século IX em diante, os turcos começaram a entrar no califado como escravos ou aventureiros, servindo como soldados, infiltrando-se, assim, no mundo islâmico como os germanos haviam feito com o Império Romano. O califa Mu'tasim foi o primeiro a se cercar de uma guarda turca. Os oficiais turcos ascenderam a altos postos, comandando exércitos, governando províncias,  e reinando como príncipes independentes: assim, Ahmad ibn Tulun ocupou o poder no Egito, em 868, e uma segunda família turca, os ikhshididas (do iraniano ikkshid, que significa príncipe), que dirigiram o país, de 933 até a conquista fatimida em 969. A desintegração do califado abássida deu espaço para essa política aventureira.   Quando a autoridade do califa abássida enfraqueceu-se na distante fronteira oriental, a tarefa foi assumida pelos samânidas, talvez a mais brilhante das dinastias que surgiu depois dos abássidas. No final, mostrou ser um fardo pesado, e o colapso samânida, na última parte do século X, abriu as portas para a enxurrada de tribos nômades turcas, que se espalharam pelas terras persas e árabes.

Apesar do breve governo, por  pouco mais de cem anos, os samânidas fizeram muito pelo império. De origem persa, estabeleceram um governo forte centralizado no Corassã e na Transoxiana, com sua capital em Bucara, estimularam o comércio e a produção, patrocinaram o ensino e a divulgação do Islam de uma forma pacífica entre os bárbaros do norte e do leste de seus domínios. Foi durante o período samânida que os vikings ocuparam a Rússia e comercializaram suas peles, cera e escravos nos mercados do sul, em troca de tecidos e metais. Uma das principais rotas comerciais da época atravessava o território  búlgaro, uma raça turca da região do Volga, e que aceitou o Islam antes de 921, ano em que a missão do califa Muktadir visitou-os, fazendo relatos importantes sobre esses povos muçulmanos. Os búlgaros, por sua vez, converteram os russos. É provável que eles tenham sido convertidos por mercadores vindos do reino samânida.

Por volta de 956, os seljúcidas converteram-se ao Islam. Assim, o século X vai testemunhar a islamização de uma grande parte dos turcos ocidentais, sob patrocínio dos samânidas, um acontecimento de grande importância.

Apesar da prosperidade do reino, os samânidas não conseguiram manter a lealdade de seus súditos. O despotismo burocratizado era dispendioso e dependia de uma taxação pesada para ser mantido. Um de seus governantes, Nasr al-Said, que reinou de 914 a 943, favoreceu o ismailismo e se correspondia com o califa fatimida, Kaim, perdendo, por causa disso, a simpatia dos ortodoxos. Seguindo o exemplo dos abássidas, eles se cercaram de guardas turcos, cuja fidelidade estava longe de estar assegurada. Em 962, um de seus oficiais turcos, Alp-tagin (príncipe herói), ocupou a cidade e a fortaleza de Ghazna, atual Afganistão, um rico centro comercial, cujos habitantes tinham enriquecido graças ao comércio com a Índia e ao estabelecimento de um principado semi-independente. Ele morreu no ano seguinte e depois um general turco, Sabuk-tagin, conseguiu o controle de Ghazna, fundando uma dinastia que alcançaria a fama por intermédio de seu filho, Mahmud. O reino samânida se desintegrou, os kara-khanidas, um povo turco de origem desconhecida, capturaram Bucara em 999, enquanto que Mahmud de Ghazna, que havia sucedido seu pai Sabuk-tagin dois anos antes, anexava a grande e próspera província de Corassã. O governo persa desaparecia ao longo das marchas orientais do Islam e os príncipes turcos reinaram no Corassã e Transoxiana. Impuseram a ordem, permitiram que os oficiais persas permanecessem no governo, protegeram o comércio. Eram muçulmanos sunitas ortodoxos e se diziam ardentes defensores da fé contra os heréticos e descrentes.

A fama de Mahmud de Ghazna está em suas expedições à Índia. Nos trinta anos, entre 1000 d.C e sua morte, em 1030 d.C, ele comandou certa de dezessete ataques ao vale do Hindustão e ao Punjab. Ghazna era uma base fantástica para esses ataques; o vasto subcontinente hindu era um mosáico de principados grandes e pequenos; não existia um estado forte o suficiente para expulsar o invasor e não havia qualquer traço de consciência de nacionalidade. Os motivos de Mahmud eram um misto de cupidez e cuidado religioso: quando ele  saqueava os templos hindus,  dizia estar destruindo a idolatria em nome de Deus e de Seu Profeta, e ele era cumprimentado com honras no califado por causa dos serviços prestados à fé. Ele combateu os descrentes do Industão e os heréticos ismailitas. Seu feito mais celebrado foi a captura de Somnath, em Gujarat, em 1025, onde ele tomou de assalto o templo de Shiva, um dos mais ricos da Índia e o destruiu,  em meio a uma terrível carnificina. A quantidade de prisioneiros foi tal que eles tiveram que ser vendidos como escravos por uma ninharia. Uma parte da riqueza foi usada para promover as artes e o ensino, e a corte de Mahmud foi enriquecida  com notáveis obras como as de Firdawsi, o maior poeta épico persa,  de Biruni, o mais distinguido dos cientistas da época, e de Utbi, o historiador do reino.

Duas consequências de grande importância, decorrentes das repetidas incursões de Mahmud à Índia: A primeira foi o colapso da resistência hindu no Punjab, transformando essa província numa área de assentamento muçulmano e expondo toda planície gangética às invasões vindas do noroeste. Os primeiros ataques aos hindus, na época de Mohammad b. Kasim, apenas tinham tocado as bordas de um vasto império, mas as expedições de Mahmud foram mas fundo no Hindustão, desorganizando suas defesas e abrindo o caminho para os invasores muçulmanos, desde os ghuridas até aos mogóis, que, aos poucos, converteram todo o norte e Índia central em domínios islâmicos. Em segundo lugar, a preocupação de Mahmud e de seu filho e sucessor, Mas'ud, com as campanhas na Índia, não lhes deram tempo ou oportunidade para perceber e conferir a firme pressão dos nômades turcos ao longo do Oxus. Os seljúcidas acabaram transformando-se nos senhores de toda a Ásia Ocidental.

As pastagens ao norte dos mares Cáspio e Aral, por muito tempo, foram o lar de um grupo de tribos turcas, conhecidas com ghuzz ou oghuz, e mais tarde como turcomanos. Por volta de 950, inúmeros clãs se retiraram da confederação de Ghuzz e se estabeleceram em volta do Jand, sob a liderança de um chefe chamado Seljuk. Alguns anos mais tarde, trocaram o xamanismo tradicional pelo Islam.

Seljuk é uma figura meio lendária. Foi um líder capaz que transformou seu povo num exército de primeira classe e por intermédio de uma diplomacia hábil, jogou os príncipes vizinhos uns contra os outros. Ele apoiou os samânidas contra os kara-khanidas; seu filho, Arslan, criou problemas com Mahmud de Ghazna, a quem ele se vangloriava de ter 100.000 homens submissos ao seu comando, e por causa disso, o ministro de Mahmud aconselhou-o a manter Arslam como refém pelo bem de seu povo, alguns dos quais ele havia trazido para o Corassã e estabelecidos em grandes áreas separadas, na esperança de que pudessem ser controlados.

Mas, a esperança foi em vão: as tribos começaram a atacar o norte da Pérsia e tomar cidades como resgates. Depois da morte de Mahmud, em 1030, o resto da tribo, chefiada pelos sobrinhos de Arslan, Tughril Beg e Chaghri Beg, se dirigiram para o Corassã e em 1036 ocuparam Merv e Hishapur. O filho de Mahmud, Mas'ud, tentando barrar essa escalada, foi derrotado com pesadas perdas, em Dandankan, próximo a Merv, em 1040, e saiu de Ghazna.  Esta batalha representou, assim, a fundação do Império Seljúcida.

Os seljúcidas foram  para o oriente, em direção aos domínios decadentes dos buaihidas. As condições na Pérsia e no Iraque favoreceram esta intervenção. O poder político tinha-se dividido entre os vários membros da família   buaihida. A política fatimida de desviar o comércio com o Oriente, do golfo Pérsico para o mar Vermelho, tinha empobrecido o estado buaihida. A propaganda ismailita ajudou a minar a autoridade. Não havia saída pelo Mediterrâneo, uma vez que bizantinos e fatimidas tinham dividido a Síria entre eles. Os comerciantes urbanos se ressentiam da perda do comércio e da arrogância da aristocracia militar. Dinastias locais, algumas árabes, outras curdas, surgiram rapidamente e minaram a força do regime. Muçulmanos ortodoxos impacientavam-se com os governos xiitas, principalmente aqueles que eram incapazes de manter a paz e a ordem. Os abássidas, humilhados em sua impotência, ansiavam por libertar-se desses senhores heréticos e acabaram por entrar em negociações com Tughril Beg. Uma das cidades da Pérsia, estava em poder dos seljúcidas. No Iraque, o poder estava com o general buaihida Basasiri, que pediu ajuda do Cairo, a fim de barrar o avanço seljúcida. Seguiu-se uma luta extraordinária, com Tughril Beg defendendo o califa abássida, Ka'im, e Basasiri se esforçando para conseguir que o califa fatimida, Mustansir, fosse reconhecido em Bagdá. Os seljúcidas ocuparam Bagdá, em 1055, mas os excessos e a indisciplina dos homens provocaram uma reação entre a população e os fatimidas perderam Wasit, Mosul e outros lugares. Tughril recapturou Mosul e voltando a Bagdá foi solenemente recebido por Ka'im, recebendo o título de "Rei do Oriente e do Ocidente".  Chamado para debelar uma rebelião de seu irmão mais jovem, Ibrahim, ele não conseguiu impedir que Basasiri recuperasse o controle do Iraque e que se proclamasse o imam fatimida em Bagdá. Por quarenta sexta-feiras, a khutba (sermão) era feita na capital abássida, em nome de Mustansir, do Cairo. Finalmente, em 1060, os seljúcidas reconquistaram Bagdá e Basasiri foi morto.  Tughril Beg recolocou o abássida em seu trono.

Muitas coisas foram decididas neste episódio. Primeiro, os fatimidas perderam sua última chance de repetir o sucesso dos abássidas em 750; o frustrado golpe de Basasiri significou que o califa alida ficaria restrito ao Egito e às terras vizinhas e que não conquistariam o domínio universal do Islam. Em segundo lugar, a queda dos buaihidas e a chegada dos seljúcidas significaram um grande triunfo para a ordoxia sunita; o poder do estado poderia ser empregado para derrotar o xiísmo de um modo geral e o ismailismo, em particular. Em terceiro, o califado abássida tinha sido restabelecido com uma relativa independência, mas seu caráter havia se modificado, e uma nova instituição - o sultanato - foi criado, num esforço para restabelecer a unidade política do Islam. Para o califado, como uma monarquia central, governando todos os muçulmanos, foi uma derrota. Sequer poderia preservar unidade espiritual e religiosa da Ummah: metade do Islam estava em mãos dos fatimidas. Nunca se transformou numa espécie da papado, porque a interpretação da lei e da fé tinha passado para os Ulama, os doutores e os juízes. Contudo, mesmo em sua fraqueza, foi ainda reverenciado pelos novos convertidos turcos, como um símbolo da legitimidade religiosa: o sacerdócio do Profeta   conferia autoridade legal aos reis e príncipes muçulmanos, a quem, em tese, ele delegara seus poderes. Mahmud de Ghazna ficou satisfeito de conquistar o reconhecimento do califa e seus poetas da corte  o chamavam de "Sultão", uma palavra que, originalmente, significava "poder governamental", mas usado como título pessoal. Os seljúcidas estavam ansiosos para legitimar seu governo: como estrangeiros e bárbaros eles eram impopulares entre a população civilizada persa e iraquiana, e a investidura de Tughril Beg como califa, em 1058, numa cerimônia fantástica, durante a qual duas coroas foram seguras sobre sua cabeça, como símbolo de sua autoridade régia sobre o Ocidente e o Oriente, informava ao povo que o Comandante dos Fiéis tinha delegado seu sultanato aos seu oficial turco. Agora, era dever do sultão agir como os primeiros califas haviam feito, defender a Ummah, acabar com o cisma e a heresia e retomar a jihad contra as nações que rejeitassem Deus e Seu Profeta.

Obviamente, dois eram os inimigos a serem combatidos pelos novos protetores do Islam sunita: os bizantinos e os fatimidas. Em épocas anteriores, os bizantinos tinham golpeado fundamente o Islam, conquistado boa parte da Síria e anexado a Armênia ao seu império. Mas o renascimento bizantino era tênue: a vigorosa dinastia macedônica não existia mais; o governo central estava em conflito com as grandes famílias proprietárias de terras da Ásia Menor e, a fim de reduzir seu poder, teve que cortar pessoal militar, tornando, assim, o império fraco contra o novo inimigo que vinha do Oriente. Os turcos se dirigiram para as fronteiras  bizantinas, em parte intencional, em parte por acidente. A chegada deles produziu alguma crise em terras árabes e persas. Numa sociedade onde a distinção fundamental era entre fiéis e infiéis, o fato de os turcos serem muçulmanos contava muito; mas, mesmo assim, o habitante instruído da cidade não conseguia evitar o sentimento de repugnância com a presença daqueles filhos grosseiros e incultos das estepes.  Os cronistas da época faziam um distinção entre os sultões e o seu povo: "Seus príncipes são guerreiros, prudentes, firmes, justos e se distinguem pelas excelentes qualidades: a nação, no entanto, é cruel, selvagem, grosseira e ignorante." Para tornar as coisas piores, quando a barreira do Oxus foi rompida, o exército seljúcida regular, cavaleiros de origem escrava, foi seguido por um enxame de turcomanos, nômades livres e indisciplinados, buscando pastagens e pilhagens, que atacavam estados, destruíam a colheita, roubavam os caravaneiros e lutavam contra outros nômades, como os curdos e os beduínos árabes, pela posse de poços e terras para pasto. Muitos deles se espalharam pelo Azerbaijão, uma província de pomares e pastagens, e de onde começaram os ataques contra o território bizantino. Quando Tughril Beg morreu em 1063, sem deixar filhos, o sultanato passou para seu sobrinho Alp Arslan, filho de Chagri, que provavelmente desejava desviar a corrente de violência nômade das terras do Islam para as do cristianismo e, ao mesmo tempo, conquistar a glória, como um ghazi, um campeão da fé. Seus exércitos empurraram-nos para os vales da Armênia e da Geórgia, enquanto os turcomanos mergulhavam cada vez mais na Anatólia. Um chamado dos inimigos dos fatimidas desviou-os para o sul da Síria, mas seus planos de uma invasão do Egito foram abandonados com a notícia da iminência de um contra-ataque bizantino.

O imperador romano Diógenes, tinha decidido fazer um esforço desesperado para acabar com os ataques turcos aos seus domínios, e liderando um variado exército de mercenários, incluindo os normandos do ocidente e os usbeques do sul da Rússia, marchou em direção a Armênia. Alp Arslan, rapidamente retornou, e os encontrou em Manzikert, próximo às praias do lago Van. Os normandos começaram a discutir e se recusarem a lutar pelo imperador; seus mercenários turcos desertaram e assim aconteceu a derrota bizantina. Pela primeira vez na história, um imperador cristão caiu prisioneiro de muçulmanos.

O nome de Alp Arslan estará sempre ligado a essa batalha importantíssima, que transformou a Ásia Menor em um território turco. Em sua humanidade e generosidade, ele se antecipou a Saladino. Tratou o imperador cativo com cortesia e quando o resgate foi pago, mandou-o de volta para casa, escoltado por guardas turcos. Talvez ele não tenha compreendido bem  a importância de sua vitória. Ele não tinha planos de conquistar a Ásia Menor ou de destruir o império bizantino.

Com os bizantinos expulsos, os turcos se espalharam pelo planalto central,  propício para o assentamento pastoril; nas lutas pelo trono, que agora se seguiam, pretendentes rivais alugavam as tropas turcas e, desta forma, os nômades ocuparam cidades e fortalezas que, de outra maneira, jamais teria sido possível. Os senhores de terra e os oficiais tinham fugido; os camponeses, privados de seus líderes naturais, adotaram a religião de seus novos donos e a fé de Mohammad era ensinada nas terras onde São Paulo havia pregado o Evangelho de Cristo. Com a Ásia Menor, sua principal fonte de soldados e receitas, perdida, ameaçada pela agressão dos normandos da Itália, o império bizantino encontrou a ruína total e os pedidos de ajuda feitos ao Papa e ao mundo latino, produziriam, 25 anos mais tarde, a pregação pela Primeira Cruzada.

Com a morte de Alp Arslan, ele foi sucedido por seu filho, Malik-Shah, um jovem de 18 anos, cujos vinte anos de reinado marcaram a expansão mais completa do poder seljúcida. Malik Shah era mais culto do que seu pai e seu tio, que eram essencialmente chefes tribais rudes. Sabiamente, ele deu a administração civil do governo ao grande ministro persa, conhecimento por seu título Nizam-al-Mulk, "a ordem do reino". Governante justo e humano, ele recebeu os elogios de historiadores cristãos e muçulmanos por igual. Seu governo foi reconhecido desde Kashgar até o Iêmen, mas levantes e distúrbios não eram incomuns em seus vastos domínios e o obrigavam a deixar por conta dos outros, a condução das operações contra os bizantinos e fatimidas. Um soldado da família seljúcida, Sulaiman b. Kutulmish, fundou um estado durável na Ásia Menor, o chamado Sultanato de Rum; ele tomou Nicéia, em 1081, e ameaçou Constantinopla. A guerra contra os fatimidas foi iniciada não pelos seljúcidas, mas por um líder turcomano, de nome Atsiz, que em 1070, marchou para a Palestina e expulsou os egípcios de Jerusalém. Malik-Shah não tolerou isto e incumbiu seu irmão, Tutush de cuidar do frente síria. Os fatimidas mostraram-se oponentes mais ferrenhos do que os seljúcidas esperavam. Os seljúcidas não estavam destinados a acabar com o cisma que se tinha  instalado no mundo muçulmano por aproximadamente dois séculos.

O regime fatimida, na verdade, teve uma recuperação surpreendente do que tinha parecido ser uma ruína certa. Um terrível fome de seis anos tinha paralisado o Egito, de 1067 a 1072; o governo civil estava virtualmente acabado; milhares de pessoas tinham fugido do país e a miséria dos que permaneceram foi aumentado em razão da anarquia desgovernada dos soldados escravos turcos, bérberes e sudaneses, que matavam e roubavam por comida e pilhagem. O império fatimida estava se esfarelando. O Magrebe tinha sido perdido, a Sicília tinha sido conquistada pelos normandos, Atsiz ocupara a Palestina e o califa abássida estava, mais uma vez, rezando nas cidades santas. Mas, em 1073, Mustansir chamou o governante Badr al-Jamali, um brilhante general armênio, para restabelecer a ordem; as tropas amotinadas foram disciplinadas, as defesas do Cairo foram fortalecidas, o comércio renasceu, as receitas aumentaram e a prosperidade voltou. O preço pago foi a criação de uma ditadura militar, chefiada por Badr, com o título de Amir al-Juyush, "Comandante dos Exércitos", a indicação de um vizir civil, e o califa tendo seus poderes reduzidos ao nível dos abássidas na época dos buaihidas. Badr saiu para reconquistar a Síria, e, embora não tenha conseguido  recuperar Damasco, que caiu sob domínio dos sejúcidas em 1076, ele deteve o avanço dos tutush nas fronteiras egípcias e reestabeleceu a autoridade fatimida até Tiro e Sidon. O califado alida ainda sobreviveu por mais um século. Quando Badr morreu em 1094, pouco meses antes do califa idoso, as esperanças seljúcidas de   restabelecer a ortodoxia no Egito tinham sido frustradas e os partidos rivais ainda lutavam pelo controle da Síria, uma situação que seria muito vantajosa para os cruzados três ou quatro anos mais tarde.

Os seljúcidas prestaram um serviço notável ao Islam, mas suas vitórias foram equilibradas com muito fracassos. Eles trouxerm um novo vigor e unidade para a Ásia Ocidental e terminaram com o regime decadente dos buaihidas.   Conquistaram a Ásia Menor para o Islam, feito que os árabes nunca foram capazes de alcançar, quebrando as últimas defesas do cristianismo no continente asiático e abrindo esse território antigo para o estabelecimento turco colonial. Sua ardente ortodoxia conteve a expansão do ismailismo, que, no futuro, iria ressurgir sob a forma de movimentos territorialistas, cujos agentes ficaram famosos como os Assassinos. Sob a proteção seljúcida, o Islam sunita iniciou uma propaganda agressiva dirigida contra os heréticos e aqueles afastados da fé: construíram  madrassas nas principais cidades, para a instrução dos estudantes em fikh (jurisprudência islâmica), de acordo com os ensinamentos das quatro escolas ortodoxas. A mais conhecida dessas instituições foi a  Nizamiya Madrasa, em Bagdá, dedicada a Nizam al-Mulk. Nesta  época, a ortodoxia teve seu mais ardoroso defensor na pessoa de Al-Ghazali.

Por outro lado, os seljúcidas não conseguiram criar um império forte, durável e centralizado ou destruir o anti-califado fatimida no Egito. Suas concepções de governo eram primitivas e, apesar dos esforços de Nizam al-Mulk para instruí-los nos princípios do antigo despotismo persa, que ele entendia como a única forma satisfatória de governo, eles tratavam seus domínios como uma propriedade familiar a ser dividida entre os filhos e sobrinhos, que no caso de serem menores, eram confiados aos atabegs, comumente generais de origem servil, que cuidavam de seus pupilos até que chegassem à maioridade e que muitas vezes se tornavam príncipes hereditários por direito. Até a morte de Malik-Shah, em 1092, alguns graus de unidade foram preservados, mas durante o governo do quarto sultão seljúcida, Berkyaruk (1095-1114), o império se transformou numa espécie de federação de príncipes autônomos, nem todos turcos, porque em certas localidades chefesbuaihidas e curdos ainda detinham a autoridade. As lutas incessantes pela sucessão enfraqueceram o império e deu aos califas abássidas uma oportunidade de recuperar algum poder, jogando os pretendentes ao sultanato uns  contra os outros. A desintegração política foi acelerada pela expansão do sistema ikta, seção ou parte de terra, pelo qual os militares eram pagos com as receitas de certos estados.

Em 1100, os melhores dias dos seljúcidas tinham acabado e foi precisamente este momento que os francos escolheram para iniciar contra o Islam a contra-ofensiva cristã, que ficou conhecida como as Cruzadas.

 

 

FONTES:

J. J. Saunders. A History of Medieval Islam.

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