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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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OS ABÁSSIDAS

 

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A oposição aos omíadas assumiu diversas formas mas, foi sob o xiísmo que essa oposição assumiu sua expressão mais poderosa. A idéia de um soberano a quem Deus atribuísse virtudes especiais era ao mesmo tempo simpática aos tradicionalistas, conscientes do caráter da missão do Profeta, e aos iranianos acostumados à monarquia sassânida. Os xiitas reivindicavam o poder para os descendentes de 'Ali. Os abássidas, por sua vez, não concordavam com o secularismo peculiar aos califas omíadas, que contrariava todos os preceitos islâmicos, gerando revolta entre os muçulmanos. As diferenças, aliás, remontavam à época do Profeta, uma vez que os omíadas se opuseram a Mohammad desde o início de sua missão.  O carijismo tinham conseguido atrair alguns adeptos no Irã e na região árabe do Egito, embora sua importância tenha ficado restrita à região bérbere. Outros, mais vagamente inquietos com os desvios omíadas, embora não tivessem preferência por um ramo em particular, eram, de um modo geral, apegados à família do Profeta (hashimita). Foi a habilidade de um descendente de Abbas, tio do Profeta, e de um missionário no Corassã, Abu Muslim, que fez convergir esses sentimentos de oposição em benefício da família abássida, e que depôs o califado omíada  em 750 d.C, fundando uma nova dinastia que duraria, em tese, até o século XVI.

A fundação do califado  abássida marcou o fim da primeira  fase da expansão muçulmana. Muito pouco se avançou para além das fronteiras que os omíadas tinham alcançado. Por outro lado, foi um período de consolidação interna, a partir do qual começou a grande civilização islâmica. Os árabes contribuíram com a revelação feita ao Profeta Mohammad e com os instrumentos que tinham desenvolvido em sua vida cotidiana, assim como com os estudos relativos às tradições do Profeta, à filologia e à lei. Persas, iraquianos, sírios e egípcios contribuíram para realizações criativas no campo da arquitetura e das artes em geral. As mesquitas de Samarra, no  Iraque, Karivan, na Tunísia, e Ahmad Ibn Tulun, no Cairo,  foram erigidas como testemunhos do poder e da segurança da nova civilização islâmica.

Mesquista de Ahmad ibn Tulun, Cairo(876-9)
Minarete (detalhe), período tulunida

Os abássidas tomaram seu nome de al-Abbas,um tio paterno do Profeta Mohammad, e um dos primeiros a apoiá-lo em sua sua missão. No início de 718 d.C, durante o califado de 'Omar II, Mohammad ibn 'Ali, um neto de al-Abbas, começou a angariar apoio para que o califado retornasse à família do Profeta, os hashimitas.

A maioria esmagadora dos estrangeiros que foram arregimentados para a causa  hashimita era iraniana.  Os historiadores sustentam que o califado abássida representou uma mudança da cultura semítica para a iraniana. Outros argumentam que, na verdade, não houve tal mudança. Embora o novo regime não tenha conseguido retornar à austeridade fiscal da época de Mohammad, ele era bem diferente do antigo regime omíada. A vitória era dos árabes do Iraque em contraposição aos árabes da Síria e dos mawali iranianos, que agora podiam ocupar cargos na administração. Enfim, quando os abássidas tomaram o poder, o centro da cultura islâmica transferiu-se para o mundo persa no Iraque. Com a mudança da capital, de Damasco para Bagdá, os abássidas promoveram uma fusão dinâmica das culturas persa e semita.

A vida islâmica foi  se  moldando na mistura de culturas profundamente enraizadas, e que aos  poucos foram se fundindo sob a liderança dos árabes. Os povos conquistados uniram-se de forma inédita graças à pax islamica, fazendo surgir uma civilização brilhante.  As cidades voltaram a florescer e Bagdá, a capital  abássida fundada em 762 d.C, tornou-se um grande centro comercial,  maior do que Selêucida e Cetsifonte, as antecessoras grega e sassânida, respectivamente.

A dinastia começou quando Abul Abbas assumiu o califado  em 750 d.C. Tanto ele como seu sucessor, Abu Jafar al-Mansur, consolidaram o poder e iniciaram uma série de mudanças administrtivas que iriam caracterizar a forma de governo islâmico pelos próximos séculos.  A administração abássida seguiu muito de perto os modelos bizantino e sassânida. Era uma administração muito burocratizada e ao mesmo tempo centralizada. A criação do cargo de vizir foi apenas uma das inovações importadas dos sassânidas pelos abássidas para a administração islâmica. Aperfeiçoaram o sistema postal criado pelos omíadas, transformando-o num serviço de inteligência eficiente. Os encarregados das províncias distantes eram os olhos e ouvidos do governo e relatórios regulares eram feitos ao governo central sobre tudo o que acontecia naqueles lugares.

O desenvolvimento do comércio está entre as conquistas dos abássidas. Com o governo unificado,  o  comércio podia ser feito no vasto território islâmico de uma forma mais livre e segura. Assim, comerciantes muçulmanos estabeleceram entrepostos comerciais nos mais distantes lugares, na Índia, Filipinas, Malásia, Índias Ocidentais e China. A partir do século VIII, o comércio se voltou fundamentalmente para a procura e importação de produtos básicos, como grãos, metais e madeira, forçando, em contrapartida, a exportação de uma região para outra. A expansão  comercial levou à criação de um sistema bancário sofisticado de tal sorte que um documento de crédito expedido em Bagdá podia ser honrado em Samarcanda, na Ásia Central, ou em qualquer outra província islâmica.

Também floresceu a  vida   intelectual. Os estudos  religiosos  multiplicaram-se em todas     as cidades. Fixados e compreendidos os textos na sua significação literal, faltava uma teologia. Tal foi, no primeiro século da dinastia abássida, a obra dos grandes teólogos e juristas. Remonta a essa época as quatro grandes escolas do pensamento islâmico: a malikita, a hanafita, a hanbalita e a shafiita. 

A enorme ânsia pelo conhecimento deixou seu legado na história, geografia,  literatura e medicina. A partir da matemática grega, foram desenvolvidas a álgebra e a trigonometria. A jurisprudência atingiu sua forma definitiva  com a promulgação de quatro grandes códigos, baseados no Alcorão e nas tradições do Profeta, o que foi decisivo para dar uniformidade à vida dos muçulmanos. Não existe qualquer aspecto da vida humana sobre o qual o direito islâmico não se pronuncie.  O árabe foi a língua do direito e da cultura religiosa dessas comunidades islâmicas.

A transferência do califado, de Damasco para Bagdá, significou mais do que uma mudança de dinastia. Representou também o deslocamento  do centro da civilização islâmica do Mediterrâneo Oriental para as fronteiras da Ásia. A proximidade  de Bagdá com a antiga capital sassânida, Ctesifonte, abriu as  portas para as  influências vindas da China ou da Índia, iniciando-se , a partir daí, um rápido declínio do poder político árabe. Os povos submetidos, principalmente os persas, começaram a  criar  governos paralelos e independentes. A burocracia herdada dos sassânidas era pesada e lenta, e o  poder se fazia representar mais pela pressão dos exércitos beduínos do que pelo exercício do poder político propriamente dito, muito embora a cultura árabe fosse ainda uma força unificadora.

Esse regime estava muito longe de resolver os problemas e de apaziguar os descontentamentos. As desigualdades políticas e sociais não foram atenuadas,  nem as oposições religiosas foram acalmadas e, ainda por cima,  subsistiam as rivalidades nacionais.  Por toda a parte, o que se nota são perturbações.

No começo do século IX, o controle do califa sobre o mundo islâmico começa a desmoronar.  Como os omíadas, os abássidas, de um modo geral, afastaram-se do povo, mas, cercaram-se de estrangeiros, principalmente na área militar. Isto criou um ressentimento, principalmente entre os árabes, que haviam ajudado a conquistar o poder. A primeira ameaça veio com o estabelecimento do califado omíada na Espanha, o qual, por causa da distância, anulava qualquer esforço de reconquista militar da região. Em seguida, foram os carijitas, que estabeleceram estados islâmicos no norte da África em 801 dC.

Os xiitas eram um empecilho no governo abássida; os abássidas haviam chegado ao poder usando tanto a retórica como a ajuda xiíta. Os xiítas, no entanto, não eram um grupo unitário e os abássidas acabaram por abandonar seus laços com a crença xiita. Uma rebelião em Meca levou ao massacre de xiitas e os sobreviventes fugiram para a região oriental da África (Magrebe), onde estabeleceram um governo independente, o reino idrísida.     

Mais sintomáticas e de maior repercussão foram as perturbações no Irã, pois, sob um aspecto aparentemente religioso, manifestaram-se exigências mais concretas. Durante três quartos de século, a zona montanhosa que se estende do Corassã até a Armênia, foi sacudida por uma série de insurreições religiosas,  umas ligadas a certas seitas muçulmanas heréticas, outras ligadas às antigas crenças iranianas.                

Os abássidas, ao adotarem a cultura iraniana e ao se distanciarem de suas origens, aceleraram as divisões culturais no mundo islâmico. Após duzentos anos no poder, o mundo político e cultural do Islam se partiu em uma porção de unidades políticas e culturais independentes.

 

FONTES

"O Mundo Islâmico" – Edições del Prado

"A Short History of Islam" – S.F. Mahmud

"Readings in Ancient History" -William Stearns Davis

"História Geral das Civilizações" - vol III - Edouard Perroy

 

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