Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
Al Amin (809-814) e Al- Ma'mun (814-833)
No início do século IX, o controle do califa sobre o mundo islâmico começava a desmoronar. Os abássidas enfrentavam os primeiros califados independentes. Na Espanha, os omíadas estabeleceram um califado que, pela distância do poder central, dificultava qualquer tentativa de reconquista militar da área. Os carijitas criaram estados islâmicos no norte da África, os xiitas sobreviventes do massacre de Meca estabeleceram um governo independente, o reino idrísida. Foi nesse quadro desolador que, de repente, al-Mamun apareceu.
Abdallah, ou al-Ma'mun, não tinha sido indicado como sucessor do califado, e sim seu irmão Mohammad, conhecido como al-Amin. Cedo os dois irmãos se desentenderam e al-Ma'mun se apoderou do califado em 813 d.C. Como seus antecessores, ele tentou incorporar os xiitas em seu governo, mas todo o período de seu califado se viu às voltas com os distúrbios entre xiitas e anti-xiitas. Parecia que ele caminhava para a desintegração que já se fazia sentir desde alguns anos. Há, no entanto, duas grandes inovações que são devidas a al-Ma'mun e que inquestionavelmente mudaram os rumos da história islâmica.
A primeira foi uma verdadeira revolução na área militar, iniciada por seu irmão, al-Mu'tasim. As revoltas constantes e a profunda divisão da sociedade islâmica convenceram al-Ma'mun de que ele necessitava de uma força militar que fosse leal somente a ele. Assim, seu irmão, que mais tarde se tornaria califa (833 d.C - 842 d.C), reuniu uma força militar composta de escravos, chamados de mamelucos. Muitos dos mamelucos eram turcos de origem, e excelentes cavaleiros, mas também havia os de origem bérbere.
Durante o califado de al-Wathiq, o exército, que era composto essencialmente de persas e árabes, tinha sido completamente substituído pelo exército mameluco. A constituição desse exército e a troca de Bagdá por Samarra, provocaram um profundo ressentimento entre os muçulmanos e iria dividir irreparavelmente os vínculos entre o califado e o povo islâmico. Também um novo grupo étnico era introduzido no mundo islâmico, os mamelucos, que, mais tarde, iriam desempenhar um papel fundamental nas disputas de poder durante o Islam medieval.
Mais importante, al-Ma'mun, ao patrocinar o ensino do grego, do sânscrito e do árabe, mudava o perfil cultural e intelectual do Islam. Ele adotou uma posiçção teológica radical, chamada mu'tazilismo, que era olhada como algo meio herético pelos muçulmanos mais ortodoxos. No entanto, o mu'tazilismo tinha como uma de suas crenças básicas, a idéia de que os muçulmanos deveriam obedecer a um único governante. A fim de facilitar os ensinamentos mu'tazilitas, al-Ma'mun criou uma universidade, a Casa da Sabedoria (Baitul Hiqma).
Foi nesse período que os trabalhos helênicos e hindus, através de uma série de traduções, penetraram a cultura islâmica. O Islam incorporou em sua cultura e crença o método filosófico da indagação, característico do mundo helênico - é por esta razão que filósofos como Platão e Aristóteles passaram para as gerações seguintes, influenciando grandes pensadores muçulmanos. Esta incorporação levou a uma nova prática intelectual baseada nos princípios da pesquisa racional e, até certo ponto, ao empirismo.
Declínio
Depois do califado de al-Mu'tasim e de seu filho al-Wathiq (842 d.C - 847 d.C), o poder central do califado declinou. Em 945 d.C, a região em volta do Iraque caiu sob o domínio da dinastia dos emires, a dinastia dos Buyidas. Os abássidas permaneceram como califas até 1030 d.C, mas apenas como figuras decorativas.
A história islâmica entraria numa nova fase. A
história do início do Islam é uma história de difusão de uma única força
cultural através dos mundos iraniano, semita, africano e, numa extensão menor,
dos mundos helênico e europeu. Aquela força cultural era religiosa, social,
linguística e política e também baseada quase que inteiramente na cultura
árabe. Nos primeiros anos, uma aceitação da autoridade central, de um governo,
uma religião, uma língua e uma cultura machista. Durante os anos posteriores do
califado omíada, a unidade cultural e política começou a se fragmentar. Os
abássidas, ao adotarem a cultura iraniana, em parte, e se distanciando de suas
origens semitas (criação do exército mameluco,por exemplo) iriam acelerar as
divisões culturais no mundo islâmico. Após duzentos anos no poder, o mundo
político e cultural unificado do do Islam se partiu em uma série de unidades
culturais e políticas independentes.
A época medieval vai encontrar o Islam desunido e descentralizado, tanto do
ponto de vista cultural como político. Mas, não obstante isso, a cultura
islâmica, ainda que separada em diversos grupos diferentes, que muitas vezes se
subdividiam em linhagens étnicas, conseguiu expandir toda a riqueza cultural e
intelectual da religião. Ao final do período medieval, a utopia da unidade
cultural ou política do Islam estava inteiramente destruída. O processo
histórico do Islam medieval foi, antes de mais nada, uma descentralização
cultural e política.
Fontes:
"A Idade Média - Proeminência das civilizações
orientais" - Edouard Perroy
Richard Hooker