Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
AS GUERRAS CIVIS
Depois da morte do Profeta, um apressado grupo de líderes muçulmanos elegeu o sogro
dele, Abu Bakr, para ser o califa. No entanto, 'Ali, genro e primo de Mohammad, não tomou parte neste
comitê, nem estavam presentes outros membros da família de Mohammad e muitos pensavam
que ele tinha indicado 'Ali como seu sucessor, porque nas Tradições, Mohammad o tinha
indicado tanto como seu irmão e sucessor. 'Ali tinha sido criado por Mohammad e foi a
segunda pessoa (depois da esposa Khadija) a reconhecer o papel de Mohammad como profeta.
'Ali foi o primeiro da tribo de Mohammad a afirmar que ele era um apóstolo (rasul).
Mas os líderes de Meca e Medina, sem contar com a presença dos membros da casa de
Mohammad, prestaram juramento a Abu Bakr como o califa e tentaram, pela força, coagir
'Ali a reconhecer Abu Bakr. No entanto, durante os califados de Abu Bakr e de seu
sucessor, 'Omar, 'Ali não só não reivindicou o
Califado, mas até participou do governo de 'Omar. Somente quando o califado passou para
'Osman, é que 'Ali foi estimulado a aceitar o Califado.
'Osman colocou vários membros de sua família governando as províncias, o que provocou o
surgimento de várias facções rebeldes, que não vendo suas reivindicações serem
atendidas, atacaram a casa de 'Osman e o assassinaram. As famílias importantes de Medina
e de outras áreas persuadiram 'Ali a tornar-se o Califa, o que ele fez em 656. 'Ali
tornou-se o quarto Califa do Islam e o último dos califas probos.
Os omíadas, no exercício de vários governos, não aceitaram esse arranjo e se
rebelaram, nomeando Muawiah como califa. Finalmente,
'Ali se viu forçado a fugir de Medina e a se estabelecer em Kufa, no Iraque. Além disso,
'Ali seria obrigado a lidar com as dissensões em seu próprio exército, enquanto lutava
com os omíadas; depois de derrotar os revoltosos, ele seria assassinado alguns anos mais
tarde por um daqueles que tinham perdido.
A partir deste ponto, a
autoridade do mundo islâmico ficou dividida. Através dos anos, os omíadas continuaram a
governar o califado, mas, agora, existia uma comunidade independente no Iraque, que não
reconhecia a autoridade dos califas omíadas, pelo contrário, só aceitavam a autoridade
dos sucessores de 'Ali. Esses sucessores adotaram o título de Imam,
líder espiritual do Islam, seja para diferenciar seus líderes dos omíadas e também
porque Abu Mohammad Hasan ibn 'Ali (neto do Profeta) havia cedido o Imamato aos omíadas.
Depois de 'Ali, sucederam-se dez imames, numa sucessão hereditária. No entanto, o décimo
primeiro Imam, Hasan al-Askari, morreu sem deixar descendentes e os xiitas ficaram sem
saber o que fazer e se dividiram em diversas seitas diferentes, a mais importante delas a qat'yya
("aqueles que estão certos"). Os qat'yya acreditavam que Hasan
al-Askari tinha, na verdade, um filho, Mohammad al-Mahdi; uma das seitas qat'yya acreditava
que Mohammad al-Mahdi, o décimo segundo Imam, tinha se escondido e permanecia escondido.
Esta seita era chamada Ithna-'Ashari (o décimo segundo) ou Imami Imam Shi'a, e foi a
forma que os xiitas encontraram para representar o xiísmo.
Os carijitas
A guerra civil entre os seguidores de 'Ali (shi'a 'Ali - partido de 'Ali) e os omíadas produziu uma outra facção islâmica, os carijitas, que haviam sido uma força nos primórdios da história islâmica. Os carijitas, originariamente, eram seguidores de 'Ali e se indispuseram com ele por ocasião da negociação com os Omíadas (processo de arbitragem). A força de 'Ali estava em sua extrema religiosidade e na sua firme convicção de que o mundo islâmico tinha sedesviado de seus princípios religiosos e éticos. Ele conseguiu atrair seguidores que eram igualmente devotos. Quando 'Ali começou a negociar com os omíadas, alguns desses seguidores sentiram que também ele tinha traído o Islam. Formaram uma facção separada, os carijitas e tomaram para si a tarefa de conduzir a bandeira da pureza islâmica. Um de seus atos de maior repercussão foi o assassinato de 'Ali.
Muitos muçulmanos concordavam com os princípios dos carijitas e lamentavam a decidida secularização da liderança e do mundo islâmicos, promovida pelos omíadas. No entanto, muitos dos que não concordavam com os carijitas ainda assim davam o seu apoio. Por todo período omíada e início do período abássida, o movimento carijita foi o centro de quase toda a oposição a essas duas dinastias. Eles ainda existem hoje, principalmente no norte da África e sul da Arábia, mas já não com força dos primeiros tempos do Islam.
A Dinastia Omíada (661 - 750)
Os omíadas não gozam de boa reputação na história islâmica, que fala de uma sucessão constante de califas fracos e corruptos; historiadores ocidentais por muito tempo aceitaram essa história. Mas a verdade pode ser um pouco diferente. Os omíadas promoveram uma grande expansão do império islâmico e foram os responsáveis pela construção de uma estrutura governamental duradoura e eficiente. Os califas omíadas foram surpreendentemente brilhantes tanto militar como politicamente. E não há dúvidas de que a cultura islâmica tem as suas raízes na dinastia omíada e nas cortes do poder omíada.
Isto não quer dizer que o califado omíada não tivesse sido desfigurado pela degeneração e crueldade. Eles não tiveram, ao que parece, um interesse maior pelas questões ou obrigações religiosas decorrentes da posição, pelo contrário, a grandeza e interesse deles está nos governantes seculares e secularizados.
O Profeta e os califas probos
estavam sempre muito próximos à comunidade muçulmana - toda a religião é baseada numa
igualdade sem precedentes. Esses califas viveram vidas simples e sem pretensões mundanas
e não se distinguiam, quer pelas roupas,quer pelos modos, da comunidade que governavam.
Mu'awiah e os omíadas, contudo, adotaram modelos que os diferenciavam das pessoas que
estavam à sua volta. A corte omíada foi separada da comunidade muçulmana e seus
governantes se cercaram de fausto e cerimonial. Este foi um modelo de liderança
baseado na idéia de que a autoridade era exercida por indivíduos especiais, o que
contrariava completamente os postulados islâmicos. Este modelo, no entanto, foi o que
manteve o novo império unido. Enquanto nômades e sedentários, os árabes estavam
acostumados ao modelo patriarcal tribal que os primeiros califas seguiram. As populações
subjugadas só entendiam a autoridade se ela estivesse investida num monarca distante e
poderoso. Sob os omíadas, então, o califado ficou muito mais próximo a uma monarquia do
que a uma liderança religiosa ou tribal.
O primeiro califa omíada, Muawiah também introduziu um novo método de selecionar
califas. O califado era uma instituição singular, na qual o califa era escolhido por um
pequeno grupo de poderosos líderes tribais. Muawiah convenceu o mais poderoso a
reconhecer seu filho, Yazid, como o próximo califa.
Tecnicamente Yazid tinha sido eleito, mas na verdade, ele foi escolhido por seu pai para
sucedê-lo. Esta passaria a ser a forma de sucessão no califado - o califa reinante
nomeava seu sucessor, que teria seu nome confirmado. Portanto, o califado omíada foi
essencialmente uma dinastia hereditária. Por esta razão, os historiadores
islâmicos usam o termo "reino" (mulk), e não califado, para designar
o período omíada.
Os omíadas promoveram uma série de mudanças no governo islâmico. A mais importante foi
a adoção dos sistemas financeiro e administrativo dos bizantinos. Muawiah mudou o centro
administrativo do Islam, de Medina para Damasco, na Síria. Ele foi persuadido por seus
conselheiros mais próximos a adotar a administração bizantina que encontrou em Damasco,
e nomeou um grande número de administradores e conselheiros bizantinos - quase todos
cristãos.
A implantação do aparato monárquico levou a uma oposição ferrenha por parte de muitos muçulmanos, porque era vista como uma corrupção dos princípios sociais e religiosos do Islam. Ao mesmo tempo, no entanto, o estabelecimento de uma cultura cortesã e monárquica determinou o surgimento de uma cultura islâmica na arte, arquitetura e escrita.
Apesar dos muitos aspectos profanos de seu califado, Muawiah foi um governante brilhante e capaz. Durante seu governo, o Islam usufruiu de 20 anos de paz interna e solidificou seu controle sobre o Iraque e o Irã. Muawiah foi um administrador capaz e preencheu os cargos administrativos com os melhores quadros que pode encontrar. Também personificou a virtude árabe do hilm, ou "clemência", e perdoou generosamente até alguns de seus piores inimigos. Perdão e clemência foram de fundamental importância para estabelecer a nova estrutura que os omíadas construíram.
Segunda Guerra Civil -
690-694
Com a morte de Muawiah em 680, e a sucessão de seu filho, Yazid, uma segunda guerra civil
estourou entre os seguidores de 'Ali. Yazid havia herdado do pai alguma capacidade
administrativa, mas certamente não a moderação moral e nem a clemência, que havia
caracterizado seu pai. Impaciente para forçar o filho de 'Ali,
Husain,
a reconhecer sua autoridade, Yazid finalmente matou Husain e um grupo de seguidores, no
evento que ficou conhecido como a tragédia de Kerbala.
Este ato impensado motivou a revolta do povo de Medina - Yazid sufocou esta revolta e
cercou a cidade de Meca. No meio do cerco, ele morreu e o califado foi transmitido a seu
filho adolescente, Muwaiah II. Mas o rapaz logo morreu e o mundo islâmico se viu às
voltas com a desordem, com diversos pretendentes ao califado. O califado hereditário
ainda era muito recente em seu estabelecimento
O povo árabe agora estava espalhado por todo o mundo islâmico. Duas tribos localizadas na Síria, os qays e os kalb, apresentaram dois candidatos, respectivamente Marwan ibn al-Hakam e Ibn al-Zubair. O conflito estabeleceu-se entre as duas tribos e Marwan, apoiado pelos kalbitas, tornou-se o califa em 684, iniciando uma nova dinastia omíada. Mas, devido à sua morte um ano mais tarde, a reconquista das terras islâmcias recaiu sobre seu filho, 'Abd al-Malik, que governou de 685 a 705. Quando 'Abd al-Malik tornou-se califa, toda a Arábia estava sob controle de seu rival, Ibn al-Zubair, enquanto que a maior parte do Iraque estava sob o controle de um rebelde de nome al-Mukhtar. Al-Mukhtar foi derrotado por Ibn al-Zubair e, em 692, 'Abd al-Malik derrotou Ibn al-Zubair em Meca.
Esta vitória solidificou o
controle omíada sobre o Islam, mas xiitas e carijitas permaneceriam como poderosas
forças de oposição.
Os últimos omíadas.
Com o mundo islâmico gozando de alguma estabilidade, o filho e sucessor de Abd al-Malik, al-Walid I (705 - 715), reiniciou as conquistas islâmicas, levando o império islâmico à sua maior extensão. Ele tomou dos bizantinos partes do Egito e se dirigiu a Cartago e oeste da África do Norte. Em 711, os exércitos muçulmanos cruzaram o estreito de Gibraltar e começaram a conquistar a Espanha, usando os exércitos bérberes do norte da África. Em 716, os visigodos da Espanha foram derrotados e a Espanha estava sob o controle muçulmano, que foi o mais distante que o Islam foi na Europa. Em 736, os muçulmanos foram interrompidos em sua expansão na cidade de Tours, na França. No oriente, os exércitos islâmicos chegaram até o rio Indus, em 710. Durante o governo de al-Walid, o califado se estendia desde a Espanha até a Índia.
Al-Walid também iniciou os
primeiros grandes projetos arquitetônicos, sendo o mais famoso a mesquita de Damasco. A
longa história da arquitetura islâmica na verdade começou com al-Walid. Foi também um
período no qual a cultura cortesã islâmica começou a germinar. Tendo o califa como
patrono, artistas e escritores começaram a desenvolver uma nova cultura islâmica,
parcialmente baseada na cultura secular
Foi Al-Walid que associou islamização com arabização. As conversões não eram
forçadas sobre os povos conquistados, mas, considerando que os nãos muçulmanos tinham
que pagar uma taxa extra e não eram considerados tecnicamente cidadãos, muitos acabavam
se convertendo por motivos religiosos e não religiosos. Isto gerou uma série de
problemas, principalmente porque o Islam era vinculado à etnia árabe - ser árabe,
claro, era muito mais do que uma identidade étnica, era uma identidade tribal, baseada no
parentesco e na descendência. Quanto mais e mais muçulmanos não eram de origem árabe,
a condição dos árabes e de sua cultura ficava mais ameaçada, principalmente pelos
coptas do Egito e os muçulmanos persas, que ameaçavam a primazia da língua na qual o
Islam foi revelado. Para amenizar aquela ameaça, al-Walid instituiu o árabe como a
única língua oficial do império. Ele decretou que toda a administração tinha que se
expressar somente em árabe. Foi esta medida que cimentou a primazia da língua e da
cultura árabe no mundo islâmico.
A queda dos omíadas
Nenhum dos califas da dinastia marwan exerceu o poder por muito tempo, com exceção de Hisham, que governou de 724 a 744. Durante este período, os muçulmanos expandiram o território islâmico até a França, quando foram interrompidos pelos francos em 736 (Tours).
Quando Hisham morreu, em 743, o império estava envolvido numa série de revoltas, a maior parte delas de desafetos não árabes e dos carijitas. Um desses grupos, os abássidas, conseguiu destronar a dinastia. Os abássidas eram descendentes de al-Abbas, um tio paterno do Profeta. Da mesma forma que os seguidores de 'Ali e os carijitas, os abássidas acreditavam que o espírito do Islam tinha sido traído pela mente secularizada dos omíadas - como parentes de Mohammad, sua religiosidade tinha um aspecto concreto.
Foi quando os abássidas se aliaram aos 'alidas que os sinos da morte tocaram para o poder omíada. Com seus exércitos unificados, derrotaram o último califa marwan, Marwan II, que foi o último a ser assassinado. O líder dos abássidas, Abu'l 'Abbas, prosseguiu matando sistemática e implacavelmente todos os omíadas que ele encontrou pela frente.
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Richard Hooker
hinesric@wsunix.wsu.edu
http://www.wsu.edu/~dee/ISLAM/UMAY.HTM